quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Olhos marejados




Tirei o pó de cada canto da casa, como sempre fora meu costume de pseudo- alérgica, arrumei tudo, e ainda redigi e readeqüei dois projetos e suas planilhas orçamentárias. A noite chegou quente... a ordem que tudo estava fez que eu voltasse a me enxergar...Sim eu havia me perdido no caos de meus devaneios e de minha casa... O ambiente sempre reflete algo interior e vice- versa... Depois do banho aproveitei para tirar também o excesso de sobrancelhas e ao olhar as minhas unhas tive o humano desejo de saber fazê-las. Olhando meus olhos no pequeno espelho que distorcia minha imagem com o aumento, pensei como tendemos a distorcer as coisas na vida cotidiana. Eu não queria maximizar nada, nem distorcer... Meu período era de alinhamento, como o fazia agora com as sobrancelhas... Rezei para que o alinhamento de minha vida fosse tão simples como alinhar as sobrancelhas e dormi.

Tive sonhos com Marco, com Angelo, com Théo e com Amanda, a fadinha libélula. Mais uma que ganhava nome na minha realidade, quase romântica, quase onírica, desesperadora... O que lembro é que estava na porta do prédio de Marco, com minha mochila as costas, e que ouvia vozes vindas lá dentro. Meu medo e minhas constantes dúvidas faziam que eu recuasse. E logo eu já estava correndo. E ao correr, me via na ponte dos trilhos do trem de minha infância. E mesmo temendo a altura, e vendo as águas barrentas que passavam no Rio, lá embaixo, entre os trilhos, eu tinha que atravessar. Quando estava no meio da ponte a água lá embaixo mudava, e ficava azul, cristalina, como se refletisse a cor do céu.
Nas águas eu via o reflexo de duas crianças sentadas na ponte dos trilhos do trem, jogando pedrinhas na água, no azul, que fazia desenhos cada vez mais próximos de meus pés. Eu queria olhar para trás para ver quem eram aquelas crianças, mas tudo que via era o reflexo e suas risadas, e ao ouvir suas risadas percebia, que as crianças eram eu e Marco... Na ponte de nossa infância, num tempo longínquo, quando nossas famílias eram ainda inimigas, e o território de paz de nossos exércitos era naquela ponte. Onde desfolhávamos mal me quer, bem me quer... Eu queria olhar para trás, mas não conseguia, não podia, temia. No reflexo eu via o Marco garotinho estender a mão com a flor amarela... “ Esta eu não vou desfolhar, é sua!” Eu sorria, e dizia "Mas eu não te amo Marco, eu amo é teu amigo." Ele então desfolhava o mal me quer e dizia... “Mentira! Deu bem me quer!”, “Mas eu te quero bem...mas não te amo...” a cada passo que eu dava a água turquesa da ponte dos trilhos do trem...que refletia as duas crianças como se fosse um cartão de apaixonados era mais próxima de meus pés. E a vontade de virar e olhar no fundo dos olhos delas maior ainda. Marco e eu apenas duas crianças... Ele tinha razão...o Marco criança, do reflexo do rio de meu sonho, tinha toda razão, um dia eu o amaria muito...Tanto quanto os eram os mal me queres que ele desfolhava. Quando eu me voltava para enxergar as crianças e dizer para a garotinha dos grandes olhos dizer sim, o telefone tocava, com as coordenadas de onde deveria ir, e o chão azul, cor de tinta, a ponte, os trilhos, o mal me quer bem me quer sumiam... E eu estava de volta a porta do apartamento de Marco, com minha mochila nas costas, mas desta vez sem os gritos de antes...A porta se abria para um corredor onde estava Théo, que para variar segurava minha mão, enquanto a fadinha libélula, ou melhor, Amanda, sua talvez pseudo namoradinha, olhava com olhos volpianos e remexia próximo a face suas assustadoras unhas vermelhas, extremamente bem feitas. “Está tudo calmo agora, estávamos preocupados...” Uma outra porta abria-se para um outro corredor de onde surgia o quase gigante e belo Ângelo, numa pausa de trabalho surgia para me ver naquele lugar que era uma sala de espera, em que eu feliz da vida e ansiosa esperava, não sei bem o que...Ele chegava intenso envolvendo-me com uma voz estonteante de radialista, e me abraçava rolando comigo em amassos de adolescentes pela parede e convencendo-me a beijá-lo... Eu resistia, nem sei por que... e ele falava de volta ao meu ouvido, e me beijava demoradamente, eu sentia sua língua na minha boca a fazer voltas e de volta ao meu ouvido a dizer segredos de liquidificador e de volta a boca a brincar com a minha até que nosso infinito beijo era interrompido pela batida de uma porta que me arrastava quase num sopro novamente para diante da entrada do apartamento de Marco, mas eu já não estava com a mochila nas costas.
Ao abrir a porta ele me olhava, e o que me chamava a atenção, não eram seus lábios de outdoor, mas seus olhos, quase profundos, seus olhos rasos d'água, seus olhos desesperados a me contar que sua vida transformara-se... E nós humanamente nos abraçávamos fortemente, num abraço longo e quase agonizante. Num desejo não corporal como sempre parecera ser, mas numa vontade de encontrar um no outro a compreensão, a paz. Ao olhar novamente para seus olhos eu também tinha os olhos marejados! Despertei! Era madrugada ainda, e é óbvio que eu não conseguira mais dormir.
Chegava a enxergar seus olhos diante de mim, sentir um cheiro de maresia que partia do seu olhar. Algo acontecera!
E eu queria ser apenas uma pessoa rancorosa, e não permitir que ele sequer tivesse a oportunidade de me ter novamente em sua presença, mas eu não era assim e nunca seria... Este era o meu lado santa, Maria, que sempre acolhia até o mais torpe inimigo. Embora ele não fosse meu inimigo tinha causado uma tempestade em minhas emoções, suficientes para nunca mais lhe olhar nos olhos. Mas sempre carregara comigo o princípio de que o erro dos outros não justifica minhas atitudes. Marco viria! Agora eu tinha certeza. Algo estava acontecendo com ele eu tinha certeza. Ele estava angustiado. Aquele sonho representava meu mundo...

Tinha Théo a prender minha mão, com o seu satélite de nome Amanda a voar em sua órbita alienada.
Esperava o abraço de Marco desde sempre,
e desejava loucamente, como nunca, os fantásticos beijos de Ângelo...

Eu tinha tudo isto mas ao final estava ali...deitada só no meio de minha grande cama vazia a cama que sonhara, mas vazia!

Rezei por Marco, Théo e Ângelo. Pedi que Deus protegesse Marco trazendo-o em segurança até a porta de minha casa. Pedi para que eu fosse desatada de Théo. E rezei aos céus que Ângelo de alguma forma me tivesse eu seus pensamentos e que não demorasse o dia de ter os beijos do sonho na realidade.

Pensando nos beijos de Ângelo novamente adormeci e novamente sonhei com seus beijos e novamente fui acordada com o olhar angustiado de Marco...

Ele estava solteiro! Eu tinha certeza. E dentro de algumas horas estaria na porta de minha casa para me revelar tal feito e dizer que eu era sua vida, sua história mais antiga. E eu lhe diria que... O que eu lhe diria??? Ah dúvidas de sempre... ah, perturbações...

O telefone tocou. Coisa rara mas por aqueles dias o telefone tocou muito... Marco me dizendo suas coordenadas e que estava bem... (eu sempre gostara desta preocupação que ele tinha de dizer onde estava, e pedir que eu avisasse que havia chegado bem) e depois...

... duas ligações perdidas de Ângelo... Sim ele havia ligado e o telefone estava dentro da bolsa e eu não havia escutado...

E as ligações de minha Irmã insistindo com as bodas de ouro,
as ligações de Théo querendo contar algo e perguntando se já estavam prontos os projetos.

Minha irmã ligara várias vezes
e depois dela ligou o grande homem da minha vida, meu pai... Ligou para dizer que se eu não quisesse não precisava vir para o espetáculo.

"Que espetáculo pai?"
" O show das bodas de ouro... " e depois disse
“Filha te cuida sempre...”

Era isto, eu precisava cuidar de mim. Mas agora o que eu iria fazer era cuidar dos preparativos para o jantar de Marco, a hospedagem de Marco e das tarefas que Théo me solicitara... Mas ao longo do que restava do dia eu me detive várias vezes a suspirar pela lembrança dos beijos de Ângelo...

Eu não sabia o marco que aquele dia seria em minha vida, e nem ao menos em que pilares transformariam-se dentro de minha história todos aqueles personagens quase fantásticos de meus sonhos... Mas naquele dia algo mudava, havia uma curva de meu destino que ali, entre a segurança da mão de Théo, o mergulho insensato nos olhos marejados de Marco, e o labirinto estonteante da voz e dos beijos de Ângelo... se desenhava...Naquele momento eu estava sendo reescrita...

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Ventos primaveris


Nos dias seguintes a vida seguiu na medida do possível normal...fora as chuvas constantes e os ventos cortantes tudo andava no seu ritmo e ...como a primavera aproximava-se achei que já estava mais do que em tempo de romper a bolsa daquele útero de alienação que me encontrava...

A ligação virtual começava a tomar seus ares reais, e toda virtualidade saia agora do campo unicamente onírico para ganhar forma na vida cotidiana...

No canto da tela voltara a aparecer os lábios do outdoor e eu ignorava... até ser surpreendida por uma mensagem que dizia assim:

"Estou indo de moto para aí agora..."

ainda que fosse sonho ... você não se atreveria a vir até aqui...

"Duvida???"

"Duvido!!!"

pois bem 800km ... de moto ...
eu não valia todo este sacrificio...

"Chego amanhã a noite ...me espere com uma garrafa de vinho por favor..."

"É sério?! "

...

A voz calara mais uma vez, a pausa que ficava era um mixto de raiva e felicidade...
chamei-o uma, duas, três, quatro vezes...

"É sério mesmo???"

"Sim ... bem sabes que sou um cara sério..."

Que idiotice a única coisa que Marco não era neste mundo era sério...
Sim este era o nome do dono dos lábios do outdoor e assim um infinito de coisas que iam em mim se esclarecia...

"Ok ... vou esperar ...mas sem confiar...
Vou convidar todo mundo...será uma recepção e tanto...isto se de fato ... não for uma brincadeira de mal gosto ..."

Depois que ele sumiu mais uma vez do canto da tela...odiei minha fraqueza de aceitar sua visita... Eu quase tinha enlouqueecido por causa dos delírios que seus lábios e depois por seu sumiço... agora indecorosamente ele vinha com esta visita inusitada...
Mas poxa ...800km ...é chão... e se ele de fato percorrese todo este chão para estar ali na porta da minha casa merecia o mínimo crédito...Ele sempre me dera guarida... Com exceção da última vez que nos falamos e que depois de dizer... "te quero sempre bem"desapareceu...
Mas ele não tinha culpa se eu havia entrado em delírios...
e uma coisa não tinha nada haver com a outra ...


Fiquei de olhos fixos na tela, isto não podia acontecer agora...
Mas se estava acontecendo é por que tinha que ser...
Para evitar a tentação de seu lábios de outdoor decidi chamar todos os amigos possíveis,
fazer uma digna recepção ...

Fui retirada de meu devaneio que era real ...pelo grito de Théo no portão...

"Ei abre aí vai!!!"

Pronto agora tudo se esclarecia...os seres fantásticos de todos os meus encerrados delírios começavam a ganhar nomes e falar textos claros, de humanos...ao invés de enigmas de esfinge, pelo meio virtual...

Abri o portão ... e isto eu também não estava com vontade fazer...

Pedi a ajuda de Théo é óbvio que sem carro eu não poderia sequer organizar um café bem estruturado ... Théo sempre tivera o mágico dom que me faltava:

'a capacidade nata de fazer compras no supermercado'

E sempre achara que isto é uma virtude a ser relevada e pontuada até no mais ignóbil ser!!!

"E que tal um sushi?"
perguntei a Théo...

"Hummmmmmmmm??????? "

Ele seguia sem me escutar...
e era isto que eu sempre odiara nele e seguiria odiando até o fim de meus dias

"Sushi ...para esperar Marco..."

"Sushi???Não sabia que você gostava de sushi...e que sabia fazer sushi... "

Ok dez anos de convivência com uma pessoa não era suficiente para ela saber que eu gostava e sabia preparar sushi...

"É pode ser ..."

Depois de anotar tudo...
Ele me pergunta para que a garrafa de vinho???
Ai ... ai ...ai ...

10, 9, 8, 7, 6, 5, 4, 3, 2,1...

respira...

segura em 8 tempos...solta em 8 tempos...

inspira de novo

segura em 6 tempos ...solta em 6 tempos...
"vinho combina mais com macarrão... "

segura em 4 tempos...solta em 4 tempos

"eu vou trazer tudo para o macarrão..."

segura e 2 tempos ...solta em 2 tempos...

"tá bom...???me diz o que é que precisa pois depois eu esqueço algo
você vai querer me crucificar..."

segura em 1 tempo...solta em um tempo ....


" É sushi...o que eu vou fazer..."
OK???

"Nhoque é bem melhor..."

"ok , você mais uma vez venceu..."


Inspira em 2 tempos ...segura em 2 tempos ...solta em 2 tempos...


"Não esqueça do queijo ralado por favor..."

"Queijo??? E não vai fazer um arrozinho para acompanhar o nhoque...?"



um eco contido dentro de mim

NÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOO

Do lado de fora, docilmente eu respondo:

" Não! ...E não esqueça do beijo..."

"O que hãn...hum...?"

"QUEIJO RALADO...Théo! Macarrão sem queijo é como amor sem beijo..."


"Agora posso falar por que eu vim aqui???"

"Eu sei, pode deixar eu faço...mas não esquece o queijo ...e o vinho tinto seco..."

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me rendi ao nhoque...Thëo tinha razão...e mesmo que não tivesse ... ele teria razão ...


Ao sair olhei a papelada que ele me trouxera...sim eu estava de volta a roda de fogo de trabalhos intermináveis... e ...ah ...não queria pensar em Théo...já ter que administrar todos os meus reclusos pensamentos e de súbito assim permitir que todos que habitavam meus pensamentos ganhassem nomes de uma hora para outra era demais...

ahrg...

Fechei o portão assim que ele saiu e ele como sempre segurou a minha mão por um tempo...
como sempre fizera, e como ainda fazia, até quando não estava perto de mim...como se sua mão tivesse a força e a capacidade de me deter ali imóvel...Sem beijos como sempre fora e como seguiria sendo se ainda fosse! Entrei para dentro de casa incomodada com minha decisão e com a suposta visita do dia seguinte... e com a mão de Théo e com aquele monte de trabalho ... e depois mil telefonemas...
Precisava convidar todo mundo para inusitada visita de Marco, o motoqueiro desvairado que estava a caminho... e se eu não conseguisse convidar mais alguém para vir até o esconderijo de nome casa...? Seríamos sentados a mesa, no dia seguinte...eu , Marco e Théo...Um a prender minha mão , o outro minha atenção com lábios indecorosos...e no meu pensamento...olhos mediterrâneos...

Precisava organizar tudo...
inclusive meus pensamentos...

Hospedar alguém??? Aqui??? Parecia surreal.Era uma realidade inconcebível...Mas realidade...

E para minha frustração ninguém poderia vir...as desculpas:
"Sabe como é, meio de semana..." "E depois, você mora tão longe..." "Vai voltar para cidade quando..." "Decidiu criar galinhas..." "Aí neste esconderijo você não vai encontrar namorado jamais...e depois que namorado vai querer te visitar aí ???" "Mas você não tem medo???"


Seria uma espécie de despedida...
de Marco
e de Théo...
e de mim
e de uma parte de vida que queria esquecer...

O telefone tocou, era minha irmã, lembrando das bodas de ouro...

ah...mais esta ainda...

"Como assim daqui a dois dias???"

Quanto a este problema deixaria para depois...
depois dos ventos primaveris momentâneos...


Uma casa para arrumar...
Uma pilha de projetos para redigir...
Uma série de sonhos para mergulhar...

e e-mails muitos e-mails...

e lá de dentro estava a minha licença poética:

Angelo
o homem dos grande olhos que me seguiam onde quer que eu fosse...

...

sim todos tinham nome

...

mas de momento era só destes três que eu me permitia recordar...

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Mãos a obra!!!

Devaneios cancelados...

Ia respoder a minha irmã...
e depois responder a Angelo...

Mas todos os demais seres que habitavam o perturbado jardim de delícias da minha existência: a irmã de Marco, ou a Branca de Neve? E A abelhinha?
E meu menino? E a índia? E o louco que gritava meu nome?
E a Fadinha libélula?


E ali no meio daquele inusitado movimento que percorria bem mais de 800km em minhas já insanas idéias... minha licença poética teria que esperar...
te licencio!!!

não tinha esperanças ou perpectivas...
logo não podia dar esperanças a ele nem a ninguém

agora não eram os devaneios que me
levavam
mas a vida...

eu não podia nutrir esperanças em ninguém
e sendo assim guardei a mensagem de Angelo numa pasta do meu computador
como quem guarda uma relíquia

respirei profundamente

olhei o céu através da janela
e me pus
mais uma vez a organizar tudo...

e depois mergulhei na papelada
nos projetos...
minha vida se resumia a isto

devaneios e projetos

e seres fantásticos

e ao
final dava sempre a sensação

que tudo
era a mesma coisa

A primavera nem chegara e já trazia seus ventos
transformadoramente perturbadores
magnificamente atordoantes...


E entre flores, nomes, sonhos, papéis...
eu era instigada a reagir...


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Para saber o que virá acompanhe as próximas postagens...

Este devaneio está ligado intimamente ao post anterior:



Link
Que por sua vez faz parte de uma série de devaneios:

1-Peraí Link 2- Atualização

3-Bolsa de mão

4-Grito Suspenso no ar

5-Bolhas de SabãoNegrito Itálico

8- Vasculhando os arquivos de meu íntimo

9- A Busca




Fique a vontade para lê-los na ordem que bem entender!

AQUELE ABRAÇO!!!







domingo, 4 de setembro de 2011

Virá


Despertei ao som de blues, daqueles rasgados e roucos, que misturavam-se ao perturbador vento que insistia em anunciar a chegada de mais uma primavera. A claridade do dia ensolarado e de estonteante céu azul, gritava meu nome através da fresta de luz provinda da fresta da minha janela. Eu não queria levantar! Na penumbra do quarto, o costumeiro gole de água para acordar o corpo por dentro... como se tivesse também a capacidade de lavar, ainda que brevemente, a minha alma. Fiquei olhando tudo que me rodeava com o desejo de liberdade...
Novamente permitira a bagunça fora de mim...e sendo assim a desordem interna era inevitável... Tive uma vontade louca de chorar, nem sei bem porque, mas o vento, e o quarto e tudo me agoniavam e depois... a lembrança da dúvida, da busca, da paisagem no batente da porta.
Dos sonhos que tivera, eu só lembrava nitidamente de três coisas: o carro da Penélope Charmosa, a vista de uma janela de onde eu via uma paisagem montanhosa (com o dedo de Deus imponente a apontar para os céus) e das palavras de meu avô, que embora não aparecesse no sonho tinha me dito:

"O que é teu te virá as mãos."

Tinha ainda a vaga lembrança de que a fadinha libélula estivera dando o ar da graça no meu sonho, mas preferi não lembrar.
E os blues seguiam e o vento também e... em algum lugar estariam também o belo homem dos belos olhos... Queria, como num mecanismo de defesa e paciência, não pensar agora nele. Decidi abrir a janela, para deixar a luz do dia entrar... Inevitável, um apoteótico céu azul me saudava...Me deu ânimo, não vou negar...Eu tinha que me libertar agora eram de outras coisas e não da doce lembrança dele. Tinha sim que aliviar a bagagem da mala de nome vida para seguir em frente. E me libertar tanto de coisas, como de hábitos e atitudes que não cabiam mais na vida que eu almejava levar.

"Reaja, mais uma vez, reaja..."

Sim olhei o céu com a certeza das palavras de meu avô em mente...
Neste instante meu celular chamou, eu acreditava que pedia carga, mas não, havia nele duas mensagens: uma falando de dias quentes e possíveis beijos ao sol, a outra dizendo que eu não esquecesse que eu era o seu melhor pensamento.

Relembrei mais uma vez das palavras de meu avô,
e depois da imagem do Dedo de Deus apontando para o céu,
e das mensagens...

Eu não precisava sair correndo porta fora fora para reencontrá-lo, estava lá, era só olhar para o céu claro!

Deus me ouvia sempre! E não apenas ele...

E sendo assim ,senti que o momento não era o de me jogar ao mar, precisava antes costurar as velas. Libertar-me do pêso que fizera minha nave encalhar ali naquele paradisíaco porto de belas paisagens e que me agoniava noite e dia em sua solidão bucólica. Ter certeza que tudo que está vazio não tarda a encher-se e que nada se pode fazer para mudar o que passou, mas há muito a ser feito para desenhar o futuro que, vai muito além da romântica e singela paisagem contida na moldura do batente da porta...
Lembrei dos lábios do outdoor que disseram que eu não devia adiar... sim ele até tinha sua parcela de razão!
Havia um abismo e eu ia me jogar nele de braços abertos, era só questão de tempo, não adiaria, mas também já não estava mais em tempo de ser imprudente. A paciência é uma qualidade das pessoas sábias, e saber o momento de jogar-se seja num abismo ou numa nova estrada também... De nada adiantava me lançar em meio a tempestade e ficar rodopiando sem ter a seta de meus ideais voltada para o alvo de minhas realizações como fizera da última vez.

Meu recuo era em força!

Meu exercício de segurança, de perseverança.

Domar a fera louca que havia dentro da doce, pacata e romântica personagem que eu era pelo menos aos olhos poéticos de quem me via e lia a distância.
Tinha que me lançar no abismo de meus mais secretos e sonhados desejos, mas na hora certa e decidi que não importava onde eu fosse, levaria comigo sim, o meu coração! Com as cicatrizes inerentes a ele.
Naquela manhã ventosa decidi que ia deixar para trás a sua amargura.
Da primavera queria não só o vento mas também as flores do caminho.
Fui até a outra janela para ver se avistava alguma flor no meu jardim...
Tive que rir, para não chorar convulsivamente... sem flores, grama queimada, uma bagunça só...sem margaridas ou rosas...e os cachorros quietos...vasos com plantas secas...
Porque arrumá-lo se eu já havia definido que partiria?
Simplesmente pela vaidade de acreditar que devia tornar o mundo por onde passo melhor ...
Dois lírios ainda resistiam, sem flores, mas de verde intenso! E no vaso dependurado onde um dia houveram lindas flores, dois pássaros, não azuis, mas amarelos ,cantando...
O assobio deles até me fez esquecer o assobio do vento...
Sim,
o que era meu me viria as mãos,
e porque não acreditar no caminho que me apontava o dedo de Deus...
o céu...
divinamente azul
ou
colorido como minha imaginação...

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Para saber o que virá acompanhe as próximas postagens...

Este devaneio está ligado intimamente ao post anterior:



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Que por sua vez faz parte de uma série de devaneios:

1-Peraí Link 2- Atualização

3-Bolsa de mão

4-Grito Suspenso no ar

5-Bolhas de SabãoNegrito Itálico

8- Vasculhando os arquivos de meu íntimo



Fique a vontade para lê-los na ordem que bem entender!

AQUELE ABRAÇO!!!


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Além do vento,
dos blues rasgados,
de latidos descompassados,
o canto de um casal de passarinhos,
o grito pungente dos queros - queros que são meus vizinhos
a gritar lá fora
o que vai na minha mente,
a lembrar que eu como eles :
quero quero quero quero quero quero quero quero
estavam nos meus ouvidos
enquanto escrevia estas palavras as seguintes canções


Best That You Can Do

Se

Um índio

Samurai


Per la vita che verrà



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A imagem do post é de Renan Faria e foi retirada da internet

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sábado, 13 de agosto de 2011

A Busca



Havia uma grande empreitada pela frente, uma inadiável busca a um ser singular.
Diante da porta de casa percebi o quanto eu estava sem reflexo para todo e qualquer enfrentamento que dissesse respeito ao mundo real...Fazia muito tempo que não ia para a linha de frente de uma batalha. A primeira sensação fora a de que estava ficando medrosa! Relutava a tal adjetivo esmagador,e me pus a refletir por horas a fio as características mais nobres da corajosa que, eu acreditava ainda existir em mim, a destemida que sempre matara baratas em saltos mirabolantes, esmagando-as ora com os pés e em outras bravamente com as mãos. Que subia escadas. Que já escalara janelas até o terceiro andar. A que podia varar um dia de trabalho sem comer e ainda entendia de motores automotivos. Me deparei com a lembrança mais remota de coragem: andar no escuro, dormir no breu total e não temer o bicho papão...Agora estática eu me perguntava onde estaria esta criatura? Antes de encontrar-me com aqueles olhos estonteantes novamente, precisava reencontrar com a corajosa que eu sabia estava adormecida em algum canto de mim mesma...
Tremia agora,
vacilava diante dos desafios ao desconhecido!
Inerte!

A única segurança é que eu tinha uma força maior que me fazia vencer o vazio.
Há um vácuo que antecede toda busca!E era justamente nele que eu me encontrava...
Como faria para ter coragem de abandonar o posto de solitária e deixar para trás o meu organizado mundinho particular de nome bolha, ou casa, tanto faz...
Aquele esconderijo paradisíaco e ininteligível que construira para mim?

Aos pés o mundo se abria sorridente...

"Mundo aí vou eu! Mais uma vez aí vou eu ..."

Vislumbrar as curvas que haviam na estrada me secava a boca...
Eu tinha uma certa implicância com as curvas...
fossem do caminho ou do corpo...
As batidas descompassadas do meu coração
ditavam em cada um de meus pensamentos uma só vontade...
a da busca...
a do encontro!

"Como procurá-lo neste palheiro de nome mundo?"

A sensação era que eu tinha encontrado a chave da arca perdida e jogado no lixo...
Dizer o que de minha atitude?
Nada dizer...
Melhor deixar a alma falar o que não tem palavras...

Sinceridade naquele instante era a de mais uma vez assurmir a realidade:

-bolsos vazios;
-coração e pensamentos cheios.

Eu tinha uma imaginação!!! Agora bastava-me torná-la real...

O homem dos olhos extasiantes da cor do do céu, fazia todo o sentido em mim...
Seus olhos ecoavam sempre na minha alma...
Com o pensamento nele, vinha a lembrança que a verdadeira paixão nunca fica indiferente...
Se o que me movia agora era um sentimento puro e verdadeiro de fato, sabia que eu o reencontraria frente a frente o mais breve possível...

Mas em mim ainda faltava a ação ...
(sempre o mas...ou o talvez e algumas vezes o etc...)
uma fração de segundos que me detive...e pronto...
Alguns momentos para pensar:

"Que luz era esta que me movia? Que força? Que poder? Era minha ou era dele?"

Ou seria apenas uma força estranha inerente ao olhar de todos
e que uma vez a cada século ocorre para estontear alguém,
que deixa o lado banal do cotidiano de lado,
para mergulhar na doçura e na profundeza que existe na alma humana
e que só encontra-se no espelho de nome olhar...??????????????????????????

Como saber???

Antes de dar o passo em direção a investigação que me levaria ao seu paradeiro,
me detive ainda em longa pausa...recostada no batente da porta...
Por um longo tempo admirei a paisagem que ficava ali emoldurada...
Quanto romantismo havia no cotidiano que me rodeava e eu nunca percebera...
A vista ao longe das montanhas, o lago, os cisnes imponentes, os patos desengonçados
e ao fundo os bambus dançavam com a brisa como se fossem o reflexo de meus pensamentos.

Sim, eu me detinha ali no desejo de fazer com que meus olhos se despedissem daquela obra de arte que eu pouco observara, daquela poesia bucólica que só agora ganhava cor...
Sabia que era questão de tempo,
a certeza: eu nunca mais a veria!
Ainda que voltasse mil vezes ali, jamais caberia em si toda aquela essência poética...
Só agora, ao me deter na vista do batente da porta, percebia as mudanças que viriam!
Minha vida sempre fora assim, meus olhos tinham o hábito de prever as inevitáveis despedidas... Como se estas, antecipadamente se impusessem, intercalando-se ao recheio dos dias...

Não me enganava nunca!
Sabia enxergar o signo do Adeus dissimulado na imposição cotidiana do belo!
Decidi não resistir a vontade de, sem sofrimento, apenas admirar aquele pedaço da realidade que começava a escoar daquela página de minha vida!

A noite chegou pouco a pouco e embora pensasse no lindo homem dos olhos estonteantes, que a todo custo queria encontrar, mergulhei na lembrança do meu último reveillon... quando eu também me detivera por horas a fio ali naquele mesmo lugar: a moldura do batente da porta!
E tanta coisa passou em meu pensamento, desde os tímidos e distantes fogos de artifício, que eu solitária e muda observara da janela da cozinha, até os batimentos cardíacos descompassados de meus mais nobres desejos.Lembrei do silêncio que havia em mim enquanto eles explodiam no céu, em cores infinitas. De pronto me veio a lembrança do cigarro que fumara, sem quê nem porque, como se a fumaça tivesse naquele instante a capacidade de me preencher. Relembrei então dos sonhos e sensações que tivera naquela noite: as coisas que com todo o meu ser clamara aos céus em companhia do silêncio, do ar úmido, da fumaça tragada desajeitadamente... Do cheiro forte que não fazia parte do meu cotidiano.

Por que estaria agora lembrando daquilo?

Por que é que eu teria fumado aquela bituca de cigarro ali diante daquela paisagem metafísica?

Eu era uma idiota e estava só!

Sempre fora solitária mesmo na infância, quando mesmo em meio a um bando de crianças, sempre dava um jeito de me desvencilhar dos demais, ou fazer calá-los...
Eu "a exigente", e volta e meia "demente"...
Sim, certa vez um homem segurando forte a minha mão fez eu crer nisto!
E também que eu era convencida, difícel e nojenta...

Eu devia ser mesmo...
se não fosse, não estaria ali solitária com a lembrança da fumaça do cigarro de palha
numa das noites mais importantes do ano...


O hábito de fumar nas noites de reveillon eu herdara do marido de minha tia,
que desde sempre chamara de tio...
Nas festas mais especiais, com seu delicioso sotaque italiano,
falava besteiras que quase ninguém compreendia, e depois distribuia cigarros ou charutos:

" para expulsar os demônios"
dizia ele.

E sempre funcionava! A mim sempre parecia uma forma de meditar, como num ritual sagrado, fazer que a fumaça do cigarro tivesse a capacidade que os pedidos mais rápidos e poéticos alcançassem os céus...E naquela noite passada de minhas lembranças, enquanto fumara a bituca do cigarro amarguento, pedia aos céus um sem fim de coisas!

Pensava em tanta gente,
e era a única data em que as lembranças tinham verdadeiramente o poder de mesclar-se ao futuro...

desejos e momentos fundiam-se numa coisa só,
e era como se eu tivesse o poder de relembrar fatos que ainda não tinham acontecido.

Naquela noite,
em meus pensamentos
meu olhar deteve-se, ainda que brevemente,
no olhar magnético daquele que agora representava minha busca...

Era como se a lembrança do tio
se fundisse um pouco com a imagem do homem dos olhos estonteantes...

Meus olhos agora pesavam tanto de sono,
como haviam pesado na noite de reveillon...
e mais uma vez não resisti ao sono,
nem ao sonho...

e antes de partir adormeci...

como na noite do reveillon...
como em tantas outras noites...
como nos natáis de minha infância ...

ou
como
nas noites que adormecia diante do computador
exatamente como faço neste instante...

Sensação de dormir antes da hora da festa...

...o sono...o medo ... a coragem...e tantas outras coisas que não tenho palavras para descrever...
a busca...
e tudo mais ...contidos ali ...
...no batente da porta...


Não era porque me detinha ali que desistiria de buscá-lo...

Meus olhos fechavam-se...
isto não impedia minha busca!
Ainda que estivesse de olhos fechados
e estática...
eu seguiria
buscando-o...


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A BUSCA CONTINUA os DEVANEIOS TAMBÉM!!!
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Este devaneio está ligado intimamente ao post anterior:

8- Vasculhando os arquivos de meu íntimo


Link
Que por sua vez faz parte de uma série de devaneios:

1-Peraí Link

2- Atualização

3-Bolsa de mão

4-Grito Suspenso no ar

5-Bolhas de Sabão

6-Infinitos Pontos

7-Farol na Escuridão



Fique a vontade para lê-los na ordem que bem entender!

AQUELE ABRAÇO!!!



segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Vasculhando os arquivos de meu íntimo


E depois dos olhos me fitando, sem fim...tantas coisas boas...

Até que um dia ao amanhecer, não consegui carregar a página de minha vida em que se encontravam os olhos daquele ser, que entrara de forma surpreendente, fascinante e inusitada no meu perturbado cotidiano.

Com minha incerteza, pipocavam na alma, infinitas dúvidas, de todas as espécies.

Primeiro pensei que ele pudesse ser um ilusão virtual de minha já atrapalhada mente...e acabei me dedicando a vasculhar arquivos em que sua imagem, suas palavras e todo o indício de sua existência me confirmassem sua veracidade. Me confirmassem que ele era real, e não apenas virtual. Que ele era também de carne, osso, pele e perfume, e não apenas olhos estonteantes, voz inebriante...

Vasculhei as palavras que havia recebido dele, como quem investiga um crime perfeito. E depois disto li as entrelinhas, dele e as minhas, e tudo de novo, uma, duas, três, mil, vezes...Chequei cada milímetro de suas imagens...toda a possível subjetividade de suas expressões...e repeti, em grande tiragem, no meu pensamento, cópias e mais cópias das mais fortes lembranças que tinha dele: a mais remota, as primeiras palavras, as que mais me balançavam. Repetia sua voz no meu ouvido, como quem escuta insistentemente a mesma canção...

Meus olhos repetiam, como num filme cada gesto, cada um de seus movimentos...

O forte olhar...

a boca num sorriso safado do lado direito...

Desenhei seus cabelos diante de meu olhar N vezes, e pensei , nas loucuras que lhe dissera...

Como de praxe, pus a culpa nelas, nas loucuras...só não sabia se de fato havia errado: por expô-las ou por guardá-las...

Depois me detive em pensar em sua panturrilhas, e no instinto de tê-lo de volta, pelo menos ao alcance de meu olhar, imaginava-me mordendo-as...e isto eu nunca lhe dissera...

...e se eu não tivesse mais oportunidade de lhe ver?

...e se ele nunca tivesse existido?

...e se ele não fosse nada daquilo que eu enxergara?

...e se minhas, suas, nossas loucuras jamais se realizassem?

Ele era já parte de mim...

Independente de voltar a aparecer no meu mundo virtual ou de um dia surgir respirando, naquilo que chamamos de realidade!

Ele não sabia (eu acho), mas havia adquirido a capacidade de fazer meus sentimentos bailarem como a maior e mais brilhante estrela no mais alto e colorido céu .

E o meu maior medo agora era o de descobrir que ele não existia na tela do mundo real como eu o percebia na tela de meu mundo virtual.

Que ele não fosse a obra de arte que eu pintava na tela de minhas insanas e surreais íntimas idéias...

Algo acontecera, e mais uma vez eu acreditava que a culpa era minha...ele não podia ficar unknow justo naquele momento, e eu não podia perder o sinal daquele ser...perder a luz do seu olhar era me perder de vez, mais uma vez...

... se fosse preciso eu vasculharia o mundo para reencontrá-lo...


CONTINUA COM CERTEZA


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Este devaneio está intimamente ligado ao post anterior:

7-Farol na Escuridão

Que por sua vez faz parte de uma série de devaneios:

1-Peraí Link

2- Atualização

3-Bolsa de mão

4-Grito Suspenso no ar

5-Bolhas de Sabão

6-Infinitos Pontos





segunda-feira, 11 de julho de 2011

Farol na escuridão




Com o choque do carro, o muro havia se transformado!!! Se partido! Já não tinha sentido! Pelo menos aquele sentido que eu lhe dava! Vi os lábios do outdoor me falarem ainda uma vez...e depois sem dó nem piedade os deletei!!! Quisera deletá-los de minha memória assim como deletava do muro, da tela do computador e do coração...

Um dia, eles, os lábios, me disseram que me “queriam sempre bem”, mas aquilo já não me tocava... E eu sequer podia acreditar, que de fato fosse verdade. Que de fato sonhara humanamente com eles...

Tudo havia de repente sido preenchido pelos olhos, farol de milha, de uma motor V8 com 5300cc, iluminando meu corpo e minha alma... Só que além de ver os olhos, eu via também o raio da fadinha libélula ninfeta, com olhos furta cor... toda prateada e lânguida bailando, flutuando alegremente ao meu redor, enquanto eu tentava me desvencilhar da mão que segurava a minha fortemente... Fechei os meus olhos...tentei mover as pernas, reagir da inércia e de todo medo. Mas a mão, a mão não me largava! Eu estava em coma, só podia, pois se estivesse na minha mais perfeita condição já teria saído dali correndo!

O mais angustiante é que tinha a capacidade de ler pensamentos e ouvir coisas... Enxergar os minuciosos detalhes daquilo que as pessoas faziam e jamais teriam coragem de me revelar...

Ouvia nitidamente o bate papo da “ninfeta prateada” com aquele que apertava a minha mão. Via seus olhares de esguelha, lábios insinuantes, faces ruborizadas... E a mão me apertando cada vez com mais intensidade... eu podia ler os pensamentos deles, e possivelmente, mais nítido do que eles próprios.

O muro e o carro já não existiam... pelo menos não da forma que os conhecera. E os lábios também não...

Os olhos, estavam ali vidrados em mim, e pareciam me comer, me engolir, me tragar até os confins de mim mesma...mesmo de olhos fechados, eu via aqueles olhos fitos em mim...

Que olhos!!! Eu mergulharia nua neles sem titubear, se não estivesse ali imóvel.

Tive medo, muito medo, e foram os olhos que me disseram para não temer.

Bálsamo, em meio aquele caos...

Eles, os olhos, não sabiam, mas eram a segurança em que eu estava ancorada. Sem carro eu estava desprotegida, guerreira nua, sem sua armadura real de todos os dias... E sem os lábios do outdoor não tinha onde apoiar minhas ilusões...

Não queria, que os olhos fossem ilusões também, não queria decepcioná-los, e não queria jamais me decepcionar com eles...queria desaguar neles meu coração, gota a gota, e intensamente ...sabia que a mão não me largaria assim tão facilmente! Sabia que uma hora ou outra eu poria tudo a perder, e era por isto que fugia dos olhos...Olhando –os apenas quando eu estava de olhos fechados...

A sensação de encarar alguém, quando temos os olhos fechados é que, ainda que não queiramos, ou não saibamos, o fazemos com toda a nossa alma... E assim foi...Quanto mais eu fugia dos olhos, mais mergulhava de alma inteira no desejo de tê-los mais e mais perto...

Diante da imobilidade, sem querer, este passou a ser o meu hobby: Olhar para os olhos!

Me perguntava:

“Por que sempre tinha vontade de vê-los?”

Diante desta reflexão, foi que num dia de céu azul, percebi que as minhas pernas voltavam a se mover, percebi que meu coração batia... E que, o céu daqueles olhos, ainda que impalpável, era o melhor lugar do mundo. Neste dia percebi que a mão já não me segurava tão forte, e que se eu fosse astuta poderia me desvencilhar dela! Percebi também que, alguém me chamava no canto da tela... Um outdoor sim, mas não com lábios, e sim com olhos...

Eu tinha me acostumado com a solidão, e com o silêncio da bolha e já nem lembrava que meu celular poderia tocar, que eu podia receber mensagens, que existia o bate papo... Decidi aceitar a conversa virtual com o dono do par de olhos mais estonteantes que havia topado na vida... Mas fiquei muda ao me deparar com aqueles faróis de milha que tinham a capacidade de iluminar e enxergar até os recônditos mais esquivos de minha alma...

Eles me seduziam ... eu não tinha dúvida.

Em meio a este súbito encantamento, me transformei!

Foi como se desse um salto, e voltei a me amar...

Inicialmente os olhos me falavam em frases curtas, que a medida do tempo foram crescendo e crescendo até tomarem conta de toda a tela do meu computador , e depois da tela do computador estavam nas paredes, e em todos os lugares que eu andava...e me seguiam como paparazzi, como câmeras ...me encantavam e me assustavam...

Muitas coisas em mim precisavam morrer para que eu renascesse... Nova e bela!! Diante daquele medo, daquela inércia de toda insegurança eu só conseguia pensar numa coisa: nos olhos... Esqueci tudo! Já nem lembrava mais daquele safári de seres fantásticos e perturbadores quando resolvi mergulhar na poesia que os olhos me ofereciam...

É claro que resisti de início...mas depois eles me ganharam com seu olhar fotográfico...com suas palavras doces...minha alma não conseguia resistir...passei a me derreter por ele...de tal forma que os lábios do outdoor tornaram-se desnecessários ao consumismo poético de minha essência ...e depois dos olhos vi seu rosto, pernas...panturrilhas, lindas diga-se de passagem, instinto canibal de mordê-las...

Fiquei viciada no olhar, era um olhar que se multiplicava e onde quer que eu fosse, sentia aquela presença, como se infinitas câmeras me seguissem o tempo todo e o olhar dele se multiplicasse ganhando as mais variadas nuances... Eu passei a amar enlouquecidamente aquela criatura...

O homem do olhar...

Agora eu era nau perdida e seus olhos cor do céu,

farol a me guiar na escuridão...

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Este post está intimamente ligado aos seis

anteriores ...

são fragmentos de um mesmo devaneio

abaixo os links

das postagem anteriores


1-http://www.luciahbrasil.blogspot.com/2011/03/perai.html

2- http://luciahbrasil.blogspot.com/2011/03/atualizacao.html

3- http://luciahbrasil.blogspot.com/2011/04/bolsa-de-mao.html

4-
http://luciahbrasil.blogspot.com/2011/05/grito-suspenso-no-ar.html-

5-http://luciahbrasil.blogspot.com/2011/06/bolhas-de-sabao.html

6-http://luciahbrasil.blogspot.com/2011/06/infinitos-pontos.html

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Fique a vontade para lê-los na ordem que quiser...

e para relembrá-los ou esquecê-los...