segunda-feira, 28 de março de 2011

Atualização


A voz do outro lado da linha era aguda, rápida, alta e nasal.
O celular dava um eco estranho nas poucas vezes que eu consegui dizer alguma coisa...
Era uma sensação de que do outro lado da linha quem perturbava a mim mesma
fosse eu.
Desisti de falar, embora houvesse tanto por dizer. Parei. Desta vez não com o intuito de esperar ou descansar...Quis apenas testar o limite de minha paciência.
Saber se eu teria com os outros a paciência que gostaria que tivessem comigo.

Sim, eu queria colo! Mas sabia que ainda que estivesse vivendo uma utopia não era colo o que ganharia... E por mais que lutasse contra minhas percepções, o sentimento que me vinha sempre era o de perseguição, trama, oportunismo.
Como acreditar em alguém ou em algo com estas sensações constantes martelando...
E a voz... a falar coisas que eu já não ouvia...
Era minha mãe, irmã ou tia?
Ou seria eu?

Ao final tudo dava no mesmo, pois por mais esforço que eu fizesse não percebia o significado das palavras que em avalanches me eram ditas...
E eu tinha tanto para dizer...
Queria ser escutada, e acabei tendo que escutar...
Já que não conseguia me deter nas palavras,
me deti no rítmo,
para ver se através deste
algo se esclarecia em mim...

De nada adiantou...
eu seguia ali
inerte diante de mim mesma
e de uma voz sem sentido...

Uma indicação!
Apenas uma...

Eu precisava mudar de atitude...claro era isto!

Surpreender!!!

Mas como?

Tinha que tomar uma decisão...mas queria mesmo era ouvir uma declaração!
Uma poesia, uma canção...
Gestos a bailar!
Palavras balbuciadas rodopiando
até os meus ouvidos...
e diante da
escuridão da noite de meus anseios
me faria enxergar com a clareza de uma lua cheia.

Mudar a atitude...seria esta a saída?
Sempre acreditei nas mudanças, não como transformações,
mas antes como ação, movimento.
Corpo pelo espaço...

E eu assim perdida nas idéias
tive a sensação que
seria ele que apareceria diante de mim novamente...
Para me falar algo...

Não como príncipe ou herói.
Mas como solução!

Fada madrinha...

Sim,
eu precisava urgente de uma fada madrinha.

Mas aí lembrei que
há muito havia deixado de crer
em fadas
e príncipes.

Resolvia andar um pouco
para frente
não podia ficar ali
parada
no meio daquele nada


inerte...


Encontrei logo adiante um muro
branco
me senti a própria Alice
não no país das maravilhas
mas sim numa galáxia de incógnitas.

Precisava dormir
dormindo talvez a voz do outro lado da linha cessasse...
e cessando, talvez eu pudesse pelo menos um pouco sonhar
para achar a solução por minhas próprias ações.

A voz calou.
E eu seguia ali
diante do muro branco.

Depois eu ...

adormeci

em pé

com a lembrança de lábios distantes


De quem eram aqueles lábios?
Seriam dele?

LÁBIOS como num beijo...

como um out doors daqueles cheios de luzes brilhantes

Foi com eles que eu sonhei
no alto de uma torre
entre neblina azul
e frio
só via uma tela
areia e lua
e alguém ao longe


a dizer
o que eu queria ouvir

LÁBIOS que me diziam ter planos!

LÁBIOS simplesmente...

LÁBIOS que me falavam de uma solução...

ou seria de uma tentação e eu entendera mal...

mas não seria tudo a mesma coisa?


A sensação de dificuldade de entendimento que tinha quando estava ao telefone
seguiu comigo ao longo de meu sonho
e eu só ouvia
me falarem em francês

tous les

mes mises à jour


Eu não sabia francês...
entendia algumas palavras
conseguia ler textos
mas assim
tudo ficava turvo
quase imperceptível...

Eu queria gritar para aqueles lábios ...
mas faltavam-me forças...
e força é coragem
e ausência de coragem é medo
e medo existe apenas para se demonstrar
coragem e força

e enquanto os lábios se moviam na tela gigante

eu tinha apenas uma certeza

Eu tinha que contar-lhe algo...
O que era mesmo?
Eu tinha que dizer um mundo de coisas...
E perdir-lhe desculpas por que quando eu abria a boca
e soltava a voz
não saia nada
instaurava-se um bloqueio
e eu recuava

ou falava asneiras
bobagens
palavras vazias


Mesmo diante desta minha inabilidade de expressão verbal
sentia que quem me falava
esperava tanto quanto eu por palavras sensatas
queria que lhe contasse algo

eu não podia
eu não conseguia
eu não sabia bem ao certo o que dizer
e como dizer...

Comecei a correr,
a paranóia voltara...
Como numa perseguição...

E eu já não acreditava em mais nada...
em mais ninguém...

E em mim ? Será que era possível acreditar?
Na fuga tropecei em um pedaço de tijolo...
Quase caí de cara no chão...
Não deixei a queda me dominar...

Senti que eu só cairia de fato
se tivesse além de lábios
a falar comigo
através de uma tela
braços estendidos a me amparar
a me segurar

para me jogar de peito aberto

ABRAÇO LOOOOOOOOOOOOOOONGOOOOOOOOOO
infinito

Peguei o tijolo do chão e escrevi no muro branco que tinha diante de mim...

"Quanto mais tenho para falar, mais me faltam as palavras..."

Depois quebrei outro pedaço do tijolo que estava em meu caminho
e comecei a escrever bem forte
para garantir que minha mensagem ficasse ali naquele muro
como uma mensagem luminosa em um mural
como uma tatuagem
um mantra

Ralei as pontas dos dedos
para garantir
a forma exata das letras
e sua cor mais intensa

depois

tomei a direção contrária
(que era a que de fato queria seguir)

me detive logo adiante

sutilmente parei

e voltei ao muro para novamente escrever

"Toda "atualização "
carece mais do que palavras..."

Ao canto da tela
uma mensagem de voz
metálica
falava
dos vírus
e eu novamente acordei

Lembrei que o mal estar que sentia poderia sim ser uma virose
um delírio
só não entendia de que tipo
de que espécie
embora tivesse a certeza de sua procedência

as luzes se apagaram
e eu voltei a adormecer
por mais 5h

ao despertar eu só pensava na solução de toda aquela bagunça
que havia no baú de mim mesma

aos poucos tentei
separar cada coisa em caixinhas

as especiais
coloquei numa pequenina caixinha de porcelana
e guardei como amuleto

só temia que estivesse perdendo tempo em demasia
eu precisava encontrar
aqueles LÁBIOS
que havia visto no outdoor

e precisava lhe dizer algo
sem pestanejar

Mas agora só o que via diante de mim era uma página em branco
que eu precisava criar
e assim
comecei aos poucos a relembrar de TUDO o que eu tinha a dizer...
certa de que por mais que falasse
por mais que escrevesse
TUDO jamais caberia em palavras


decidi iniciar a atualização solicitada...



Sim
algo estranho estava acontecendo
e não era só comigo...

______________

CONTINUA
...
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Este post está intimamente ligado ao anterior
ambos são fragmentos de uma mesma história:

http://www.luciahbrasil.blogspot.com/2011/03/perai.html

Aquele Abraço!!!









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