terça-feira, 28 de agosto de 2012

Apegos & Desapegos


Que o ser humano se apega fácil não é novidade! Falo aqui do ser humano humano! E eu tantas vezes definida como desprendida desapegada não fugiria a humana regra! Está certo que há muito me libertei de tantas coisas e que já me desfiz inúmeras vezes de todos os móveis de casa para tomar outro rumo! Que vivo dando roupas, calçados, livros...apenas para estar mais leve...apenas para  exercitar o desapego. Que dou até coisas que gosto, pois sempre penso que não há grandes virtudes em desfazer-se apenas do que já não nos serve e daquilo que não mais queremos. O desapego verdadeiro reside em abdicar, largar, doar, deixar partir aquilo que é bom, que ainda serve e que gostamos! Aí reside a tal liberdade! O  fato é óbvio e  é  claro que sempre nos apegamos a algo e alguém, ainda que o objetivo de vida, mais por necessidade do que por vontade, esteja calcado no desapego.
Este tem sido meu exercício, viajar mais leve embora ainda carregue duas bolsas, a de mão e a mala.
Deixei de lado pseudo amizades sem dar ar da graça e pseudos amores inúteis apenas com o intuito do desapego, da liberdade da leveza. Mas percebi que existem pequenas coisas que aos olhos dos meros mortais não tem valor algum e que me apego! Como a foto de meu pai na carteira, a imagem do São Jorge, o livrinho de meditações, os amuletos e as crenças. O nhoque do dia 29. Os papeizinhos e as palavras. As manias, a cultura arraigada. O Samba apegado aos quadris brasileiros que surge quando menos espero num clássico rebolado! A mania de não passar por debaixo de escadas e de sempre sair pela mesma porta que entrei quando vou a um lugar pela primeira vez. São crendices idiotas eu sei, mas que me apeguei nem sei como e não concebo me libertar.O baralho cigano e a pequena imagem de bruxa que carrego sempre comigo e que mesmo em meio a um assalto a mão armada pedi aos ladrões para retirar da bolsa junto com o cristal de quartzo rosa que carreguei durante quase 16 anos comigo...
 A coleção de brincos artesanais que ao longo de anos juntei adquirindo um em cada cidade que passava.
Dei um par de brincos que amava outro dia, a amiga que dividi o quarto. Ela não queria aceitar, mas eu dei a ela justamente por que eram especiais para mim e ela era e é especial na minha vida! Desapeguei dos brincos e me apeguei a ela. Assim como fiz com a bolsa que ganhei no primeiro festival de cinema que participei dei com o maior prazer a amiga que ganhei da vida e que é  mais que um festival.
Mas não acreditei outro dia quando botei a mão na bolsa para procurar meu cristal de quartzo rosa... por hábito de segura-lo forte em uma das mãos todas as manhãs e de tê-lo sempre na cabeceira de minha cama, ou junto as minhas coisas nos muito camarins pela qual passei! O tal do cristal eu comprei numa fase em que decidi mudar, numa fase em que estava apaixonada, não sei se platonicamente ou insanamente, se por alguém ou pela vida. O fato é que sempre tive ele por perto! Ao ponto de um amigo meu dizer que eu era louca de carregar pedra bolsa. Estar em casa era estar com o tal cristal.  E não foram poucos os mares e luares em que o banhei! No ano novo sempre tinha ele comigo e ao dividir meus mais secretos e singelos desejos, conversar ou intimar Deus para agradecimentos ou cobranças...lá estava o cristal!
Poucos foram aqueles que eu deixei ter entre as mãos o tal cristal...na verdade só autorizava as crianças a segurá-lo e apenas por um curto espaço de tempo. Esteve comigo em meio a temores, alegrias e ansiedades. Logo nada mais natural que assim que eu voltasse de viagem metesse a mão dentro da bolsa no costumeiro lugar para colocá-lo no criado mudo! Na força do hábito a que ainda não me desapeguei de um todo...procurei o cristal, antes de filmar as cenas do último fim de semana...apenas para me energizar... o vazio da bolsa me fez gelar... ele não estava lá...bem, eu sabia! E não estava pois tive a coragem de doá-lo!
Talvez seja um ato inconsequente este de doar uma pedra que me acompanhava há tanto tempo! Há quase metade de minha vida! Mas o fiz consciente e segura...e embora tenha me desapegado dele...ainda sinto a falta que ela sente de mim...e isto é bem possível que seja o tal do apego! Tive vontade de perguntar a quem recebeu-a de presente de minhas mãos se tem cuidado bem dela, como está? Mas achei isto tão sem sentido, de um apego tão grande...mas penso que isto seja porque a energia dela ainda permanece em mim tanto como a minha permanece onde agora a pedra encontra-se. E em mim permanece a energia e a presença daquele a quem doei a pedra. Acabei me apegando, não vou negar! Me apegando as suas conversas coloridas e cheias de energia. Tanto que quando está on line e vejo que não fala comigo chego a me sentir fraca...sim é uma fraqueza este ato débil! Esta carência! Mas prefiro ainda me apegar as pessoas e a sua energia do que as coisas, como certas pessoas se apegam a um lugar, a uma máquina aos bens materiais da sociedade contemporânea, apenas a um corpo e suas curvas. Apegar-se e desapegar-se é vital...  ter o equilíbrio para tal também, embora as vezes não estejamos prontos para fazê-lo.  O ato de doar algo a que eu me apegava tanto a alguém sem dúvidas é sim uma necessidade inconsciente de me apegar a pessoa que agora detém o objeto em questão, neste caso o meu ex cristal companheiro.
E eu tão desprendida nunca imaginei que seria tão difícil assim me desapegar de uma pedra. Sim uma pedra! Eu que tenho faltado todos os velórios possíveis com a humana desculpa do desapego. Eu que ao saber que meu pai estava doente implorei de forma escrita na rede social que o desautorizava-o a partir sem antes me ver. Eu que fiz massagem no peito de meu cãozinho de estimação ressuscitando-o várias vezes na esperança de tê-lo um tempo mais aqui comigo...Eu posso saber me desapegar de móveis e de casas, de carros. E posso fingir muito bem que sou forte o suficiente para partir sem chorar... mas minutos antes do trem ou do avião partir dentro de mim secretamente o choro é sempre convulsivo...e eu rezo para perder a viagem...só para ficar mais um pouco... Meu desapego é também pseudo, ilusório e fantástico! Porque quando parto deixo uma parte de meu ser com quem fica... se não deixar dicas e conselhos...palavras...deixo minha energia...de uma forma tão assustadora que me vejo feito uma alma penada acompanhando ainda o olhar e os passos de quem fica! Vejo suas ações e sei para onde aponta seu olhar, caminho ou danço por seus pensamentos ... muitas vezes de forma invasiva e abusiva...sei para onde e como olha, bem como o que pensa e sente. E as vezes seja pela manhã ou pela noite... viajo no cosmo até onde quero estar, e me sento diante de quem quero ver... e faço mantras, orações, e canto canções para embalar os sonhos ou os dias daqueles a quem amo, daqueles a quem me apego! É possível que seja um erro...eu sei ! Pois diz não sei que sabedoria que "onde estiver seus pensamentos, lá estareis."

E agora em meu humano apego como um gênio da garrafa uma parte de mim habita dentro do cristal que parcialmente me desapeguei... e no exercício da vida já descobri que é isto que eu tenho que fazer... aprender a desapegar-me... viver o momento, curtir quem está próximo... deixando o antes e o que virá sossegados enquanto vivo o agora!

Mas não nego ...que neste apegar-se e desapegar-se tenho um mundo de gente bem próxima de mim...
longe dos olhos e próxima do coração... deixo-as lá, comodamente hospedadas...
deste desapego de coração grande eu não quero nem pretendo me libertar...

Desapegar é mudar o hábito...
é troca...
e ao final é muito melhor apegar-se a alguém que a algo...
sem cobranças...as vezes até sem esperança...
Meus desapegos são também apelos ao apego!
E apegar-se a algo ou alguém é também uma forma de desapegar-se de si, do ego...e sair das fronteiras de si mesmo! Ser um pouco o outro doar-se, emprestar-se...

Eu não nego...desapegadamente eu me apego!
E se alguém diz que se apegou a mim...que pensa e sente a minha falta, saudade...ou seja o que for eu comemoro... quem disse que para ser uma pessoa desprendida precisamos abdicar de tudo aquilo a que nos apegamos...de tudo aquilo a que buscamos nos desapegar!?