domingo, 4 de setembro de 2011

Virá


Despertei ao som de blues, daqueles rasgados e roucos, que misturavam-se ao perturbador vento que insistia em anunciar a chegada de mais uma primavera. A claridade do dia ensolarado e de estonteante céu azul, gritava meu nome através da fresta de luz provinda da fresta da minha janela. Eu não queria levantar! Na penumbra do quarto, o costumeiro gole de água para acordar o corpo por dentro... como se tivesse também a capacidade de lavar, ainda que brevemente, a minha alma. Fiquei olhando tudo que me rodeava com o desejo de liberdade...
Novamente permitira a bagunça fora de mim...e sendo assim a desordem interna era inevitável... Tive uma vontade louca de chorar, nem sei bem porque, mas o vento, e o quarto e tudo me agoniavam e depois... a lembrança da dúvida, da busca, da paisagem no batente da porta.
Dos sonhos que tivera, eu só lembrava nitidamente de três coisas: o carro da Penélope Charmosa, a vista de uma janela de onde eu via uma paisagem montanhosa (com o dedo de Deus imponente a apontar para os céus) e das palavras de meu avô, que embora não aparecesse no sonho tinha me dito:

"O que é teu te virá as mãos."

Tinha ainda a vaga lembrança de que a fadinha libélula estivera dando o ar da graça no meu sonho, mas preferi não lembrar.
E os blues seguiam e o vento também e... em algum lugar estariam também o belo homem dos belos olhos... Queria, como num mecanismo de defesa e paciência, não pensar agora nele. Decidi abrir a janela, para deixar a luz do dia entrar... Inevitável, um apoteótico céu azul me saudava...Me deu ânimo, não vou negar...Eu tinha que me libertar agora eram de outras coisas e não da doce lembrança dele. Tinha sim que aliviar a bagagem da mala de nome vida para seguir em frente. E me libertar tanto de coisas, como de hábitos e atitudes que não cabiam mais na vida que eu almejava levar.

"Reaja, mais uma vez, reaja..."

Sim olhei o céu com a certeza das palavras de meu avô em mente...
Neste instante meu celular chamou, eu acreditava que pedia carga, mas não, havia nele duas mensagens: uma falando de dias quentes e possíveis beijos ao sol, a outra dizendo que eu não esquecesse que eu era o seu melhor pensamento.

Relembrei mais uma vez das palavras de meu avô,
e depois da imagem do Dedo de Deus apontando para o céu,
e das mensagens...

Eu não precisava sair correndo porta fora fora para reencontrá-lo, estava lá, era só olhar para o céu claro!

Deus me ouvia sempre! E não apenas ele...

E sendo assim ,senti que o momento não era o de me jogar ao mar, precisava antes costurar as velas. Libertar-me do pêso que fizera minha nave encalhar ali naquele paradisíaco porto de belas paisagens e que me agoniava noite e dia em sua solidão bucólica. Ter certeza que tudo que está vazio não tarda a encher-se e que nada se pode fazer para mudar o que passou, mas há muito a ser feito para desenhar o futuro que, vai muito além da romântica e singela paisagem contida na moldura do batente da porta...
Lembrei dos lábios do outdoor que disseram que eu não devia adiar... sim ele até tinha sua parcela de razão!
Havia um abismo e eu ia me jogar nele de braços abertos, era só questão de tempo, não adiaria, mas também já não estava mais em tempo de ser imprudente. A paciência é uma qualidade das pessoas sábias, e saber o momento de jogar-se seja num abismo ou numa nova estrada também... De nada adiantava me lançar em meio a tempestade e ficar rodopiando sem ter a seta de meus ideais voltada para o alvo de minhas realizações como fizera da última vez.

Meu recuo era em força!

Meu exercício de segurança, de perseverança.

Domar a fera louca que havia dentro da doce, pacata e romântica personagem que eu era pelo menos aos olhos poéticos de quem me via e lia a distância.
Tinha que me lançar no abismo de meus mais secretos e sonhados desejos, mas na hora certa e decidi que não importava onde eu fosse, levaria comigo sim, o meu coração! Com as cicatrizes inerentes a ele.
Naquela manhã ventosa decidi que ia deixar para trás a sua amargura.
Da primavera queria não só o vento mas também as flores do caminho.
Fui até a outra janela para ver se avistava alguma flor no meu jardim...
Tive que rir, para não chorar convulsivamente... sem flores, grama queimada, uma bagunça só...sem margaridas ou rosas...e os cachorros quietos...vasos com plantas secas...
Porque arrumá-lo se eu já havia definido que partiria?
Simplesmente pela vaidade de acreditar que devia tornar o mundo por onde passo melhor ...
Dois lírios ainda resistiam, sem flores, mas de verde intenso! E no vaso dependurado onde um dia houveram lindas flores, dois pássaros, não azuis, mas amarelos ,cantando...
O assobio deles até me fez esquecer o assobio do vento...
Sim,
o que era meu me viria as mãos,
e porque não acreditar no caminho que me apontava o dedo de Deus...
o céu...
divinamente azul
ou
colorido como minha imaginação...

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Para saber o que virá acompanhe as próximas postagens...

Este devaneio está ligado intimamente ao post anterior:



Link
Que por sua vez faz parte de uma série de devaneios:

1-Peraí Link 2- Atualização

3-Bolsa de mão

4-Grito Suspenso no ar

5-Bolhas de SabãoNegrito Itálico

8- Vasculhando os arquivos de meu íntimo



Fique a vontade para lê-los na ordem que bem entender!

AQUELE ABRAÇO!!!


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Além do vento,
dos blues rasgados,
de latidos descompassados,
o canto de um casal de passarinhos,
o grito pungente dos queros - queros que são meus vizinhos
a gritar lá fora
o que vai na minha mente,
a lembrar que eu como eles :
quero quero quero quero quero quero quero quero
estavam nos meus ouvidos
enquanto escrevia estas palavras as seguintes canções


Best That You Can Do

Se

Um índio

Samurai


Per la vita che verrà



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A imagem do post é de Renan Faria e foi retirada da internet

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