Nos dias que se sucederam resisti à vida dentro daquela bolha. Tive que buscar formas para me acomodar. Buscava um ponto de equilíbrio, mas não encontrava... Ali, na calmaria da bolha flutuante, em meio ao silêncio e a bela paisagem fui deixando o desequilíbrio me consumir. E cada dia eu consumia menos, menos comida, menos água, menos ar, menos vida, menos amor. Não podia ouvir vozes nem ruídos, a bolha vibrava numa freqüência que até então desconhecia, como numa lógica descompassada de mim mesma. Decibéis atordoados, como fios num curto circuito. Quebrei algumas coisas nestes dias, na tentativa de reagir ao massacre que o vazio da bolha me impunha. O pouco que ficara ao alcance das minhas mãos utilizei para ver se rompia as paredes, aparentemente tênues, da bolha. Queria a todo custo retomar a queda livre e reencontrar o muro, o abraço, o paredão, o outdoor, os olhos ou os lábios...já nem sabia mais... Eu não sabia o queria...Mais queria, e queria muito...
Decidi não resistir a acomodação que a vida dentro da bolha me induzia, não para sempre, apenas momentaneamente... Eu precisava controlar minhas emoções. Retomar além de minha memória, minha racionalidade. E com elas duas descobrir se os lábios, e os olhos cor do céu, e se ele, e eu éramos algo, se tínhamos algo...se tivéramos algo, se teríamos algo... Uma história talvez... Ah! Que tipo de história era esta?
Eu não queria ser só uma louca alucinada, eu queria um desfecho poético...
A boca já não me dizia mais nada! Volta e meia falava de loucuras e de loucos... mas dizer mesmo, não dizia nada...Os olhos tentavam me ler, mergulhar até a minha alma, como se nela houvesse algo para ser resgatado...Como se dentro do infinito buraco negro que eu era houvesse um resquício de poesia...
Pensei que com a bolha a deriva, poderia ser levada para algum lugar...E por dias a fio enxerguei o jardim de delícias que os olhos me inspiravam, e pela primeira vez na vida me senti a inspiração no lugar da inspirada... Mas viver numa bolha exigia muito mas tato do que eu pensava...
Eu teria que agir calada, quieta, com a irritante tranqüilidade daquela bolha submersa no nada.
Eu não tinha como escrever, também não tinha sinal no celular, que a essas alturas já estava tão descarregado quanto eu...
Tracei pontos dentro da bolha. Parece estranho entender isto para quem nunca esteve dentro de uma bolha... Mas... lá... há, um sem fim de pontos e coordenadas, que servem como uma rosa dos ventos para se entender a direção que a bolha vai.
De início fiz de mim o eixo, dois pontos.
A base, ficava na altura de meus pés se eu estivesse em pé, ou no cocxix se eu estivesse sentada.
O outro era acima da cabeça.
Na base coloquei a certeza, o frison... o trabalho... as coisas que eu tinha, e as que devia trilhar para alcançar.
Acima da cabeça, naquele momento, estava o que eu mais queria esclarecer: os lábios que um dia me falaram e os olhos que me observavam...Ambos eram a mesma criatura? Ou eu que unia com um laço invisível os pedaços de meus sonhos?
Na ansiedade pus tudo a perder... queria saber da reciprocidade, e falar de alma, mas por hábito acabei falando das emoções físicas...das loucuras que eu tanto buscava me libertar... Será que ainda havia algum resquício além do “querer sempre bem”...
Ao esclarecer estes dois pontos, os repassei milhares de vezes, e ao tê-los assim claros, e bem desenhados diante de meu olhar, com todas as especificações possíveis e plausíveis bem delineadas, percebi que a ebulição de sentimentos e o borbulhar de emoções cessava...A bolha foi calmamente pousando e ao tocar em minha escrivaninha, ficou tão, mas tão transparente que se dissolveu...
Pus o celular a carregar, e liguei o computador.Precisava me comunicar, e não podia mais ser precipitada, falar besteiras de maneira imprudente.
Decidi não me comunicar...
Off line.
Me detive.
Ser off line era seguir na bolha...
Ao ligar o computador a pequena janela, com a publicidade, que imitava os lábios do outdoor não apareceu. Temi que sua suposta irmãzinha vestida de branca de neve viesse correndo em minha direção com seu ferrão de abelha e com os sete anões de meus pecados capitais tentar-me com a proposta de ser apenas a safada da história no lugar de ser simplesmente autêntica. Optei por não escrever frases ou mensagens longas... Uma única frase no lugar destinado ao assunto da mensagem serviria de gérmen para iniciar o processo semeadura que culminaria na colheita de meu esclarecimento... Nada consegui escrever... Eu queria falar aos lábios muita coisa mas não falei! E depois ao olhos cor de céu...
Paciência, muita paciência... Passos suaves, leves ... Eu não podia despertar novamente o meu monstro, pelo menos agora. Antes eu tinha que entender se havia uma história antiga, infantil, de ficção, suspense, romance, cômica... Desvendar seus personagens, me encontrar nela, para me reencontrar em mim... Com cautela... já que eu não tinha dimensão do tamanho da história, ou de meu personagem neste enredo, que eu ainda não sabia se existia.
Eu estava mais leve, e embora quisesse flutuar, algumas certezas iam em mim: se houvesse uma história da qual eu de fato fazia parte, nela eu não queria atuar como figurante ou apenas melhor amiga...Não queria ser a mocinha, não queria ser a megera...Queria ser a heroína...E não queria de jeito nenhum voltar para a bolha.
Agora era hora de agir...
Me perguntei: para que galáxia eu estava indo?
A chuva parou, o sol dava sinal no horizonte... Que horas seriam? Manhã ou entardecer?
Na confusão me esqueci de atualizar o relógio do computador...
Era manhã, o sol nascia deixando tudo rosa... Meus olhos me avisaram que estava na hora de dormir...
Dentro da bolha o fuso horário era outro, o tempo era contado de outra maneira e horas e minutos não tinham a mesma dimensão do mundo real, cotidiano ou cosmopolita. Ao despertar iniciaria uma nova vida... Eu só queria esquecer a bolha, esquecer de mim, do mundo... Adormecer...
E ao surgir o primeiro raio de sol, o céu ficou vermelho e eu adormeci ...
Meus sonhos se confundiam com o de outros...beijos...e coisas quase sem sentido...e personagens e mais personagens...Meu menino, sim havia um menino, uma criança talvez, em minha vida e ela estava pequena muito pequena, e eu chorava diante da noite fria e estrelada...por ele...Pois em meu coração algo estava apertado...e no céu já não via os olhos azuis, a boca sussurrante...e nem conseguia me atrever a sonhar com ambos...via meu carro em choque ...eu no banco do carona, eu com as mãos no volante ...e depois a manhã dourada e a ilha que eu já não amava brilhando diante de seu espelho de nome mar...E eu do lado de fora...meu carro se chocava contra o muro branco que tantas vezes me confortara...
Chamei os lábios do outdoor...Um sem fim de personagens humanos e atrozes surgiam no meu jardim... Uma fada loirinha com olhos prateados de cobra... Gnomos e bruxas, gente comum, gente importante... e todos de cara maquiada... Queriam que eu me maquiasse também... E os lábios a me falar de beijos...e eu anestesiada pelo choque...e os olhos perdidos em giro me procurando, querendo saber onde eu estava...e a fadinha tentando a todos com suas fotos de ninfeta virgem e imaculada...e a abelha rainha voando...e também uma índia...Muda, inerte...buscava os olhos...rezava pelo pequeno...empurrava a fada com um sopro para bem longe e todos e eu ... os dois pontos viraram outros tantos : 4, 6, 8, 12, 16...até o infinito de mim mesma...um louco que eu não sabia gritava por meu nome, a voz do telefone gritava com uma voz semelhante a minha pelos lábios de outdoor...alguém segurava minha mão enquanto beijava a fada...e outras tantas fadas...e eu ? Buscava na névoa daquele dia que havia começado cor de rosa...saber o que havia em que ponto...buscava que liam minha alma...mas eles não me encontravam e naquela confusão me choquei com alguém além do muro, além da mão, além do menino, além da fada, além dos sonhos indecentes e descompassados...e tentei dormir...
Por favor, fada sem graça...Atenda pelo menos um de meus pedidos! Quero voltar para a bolha flutuante no céu azul ...
Independente de onde estivesse sempre haveria um ponto ou dois ou mil...para embaralhar a vida nas infinitas bolhas que havia criado! A Fadinha me deu uma poção para tomar...eu senti náuseas...mas quem vomitava era o meu menino...que estava cada vez pior... Era um veneno e não matava! Onde estaria a poesia da bolha que me transportava... Adormeci novamente...ou acordei do sonho! Não sei ao certo... E a única coisa que fazia sentido era sair correndo...fugir! Mas em qual direção? Não eram olhos que me olhavam mas câmeras que me perseguiam em minha imobilidade...Foi quando percebi que minhas pernas estavam imobilizadas... E que nem os olhos nem os lábios tinham a capacidade de me tirar dali...
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Este post está intimamente ligado aos quatro
anteriores ...
são fragmentos de um mesmo devaneio
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4-http://luciahbrasil.blogspot.com/2011/05/grito-suspenso-no-ar.html 5-http://luciahbrasil.blogspot.com/2011/06/bolhas-de-sabao.htmlFique a vontade para lê-los na ordem que quiser...
e para relembrá-los ou esquecê-los...
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