segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Reflexões de início de primavera




É engraçado que às vezes sejamos insuflados a pensar em coisas que são de suma importância para nossa vida justamente por pessoas que pouco nos conhecem. Embora eu acredite que o fato de conhecer alguém não está ligado ao tempo de convivência; pois tem gente que passa a vida ao lado de nós e não nos decifra, não nos lê. E de repente, do nada, inesperadamente surge alguém que praticamente nunca te viu, e toca direto no ponto nevrálgico. Mesmo sem olhar nos teus olhos, mergulha na sua alma, e percebe justamente aquilo que os que estão a sua volta nunca perceberam. E estas pessoas parecem seres mágicos, mas o mais genial é que são de carne, osso e sentimento como a gente.
E são justamente estas pessoas sensacionais que dizem algo que acaba por tirar o seu sono. Não tirar o sono para “remoer pequenos problemas” . Mas sim tirar o sono para te levar aquela reflexão, o mergulho no seu ‘nada sei’, no seu interior...que na verdade é ‘tudo sei’. Pois mesmo que se encontre mergulhado em dúvidas sempre lá no fundo nosso coração sabe o que quer, mesmo sem admitir. E não falo aqui do coração apenas no sentido de ‘amor I Love you’, mas do coração como guia na amplitude de tudo que vivemos e temos por viver.
E assim foi que esta sensacional pessoa me questionou. Aqui nesta descrição suprirei seu nome, ou melhor, substituirei como se fazem naquelas colunas de comportamento de revistas femininas ou de jornais. Dar-lhe-ei o nome de Marco...Pois bem!!!
Marco me perguntou se eu conseguiria viver sem teatro ...E Marco não tem a menor noção do nó que pôs nas minhas já complicadas idéias!
É claro que sei que em geral não sabemos do que somos capazes até sermos impelidos pelo destino a vivenciar.
Mas não foi na hora que a pergunta de Marco fez efeito em mim, mas sim na madrugada. E não foi apenas uma simples madrugada, foi o fim do inverno, despontar da primavera. Madrugada inteira até o dia nascer e dar maior clareza às infinitas questões que surgiram com ’a questão Marco’.
No primeiro momento imaginar isto, foi me ver em carne viva, foi sentir-me sem pele, sem cor, sem essência! Mergulhei em tantas lembranças, fui da minha alegria a alegria do olhar do público. Da sensação do aplauso à da barriga vazia. Das infinitas viagens aos magníficos personagens, do figurino à maquiagem.
Lembrei do quanto bati o pé com minha família (e acho que sigo batendo) por seguir este caminho. Mas nada foi mais forte que a lembrança do primeiro namorado (quando eu tinha 16 anos) invadindo o ensaio de sábado á tarde para me roubar do meio da cena para dizer: “Sou eu ou o teatro!”.
O olhar de todos do ensaio deslocou-se da cena teatral no palco, para desoladora briga de namorados na cabine de som e luz. E entre gritos, beijos, te amos, empurrões...
A última palavra foi TEATRO!
Ele era lindo! Mas não soube me decifrar!Não me arrependi da decisão que tomei. Como em geral não costumo me arrepender das coisas que faço ou deixo de fazer.
Agora estava tentando relembrar o que havia respondido à Marco...
Em questão de meio minuto, creio que lhe disse que NÃO, SIM, NÃO SEI, DEPENDE.
( Ah! Marco aí está o avesso da perfeitinha!)
Na madrugada analisei cada uma das respostas que tive a lacônica capacidade de lhe dar:
-NÃO...Claro que não, pois o que quer que eu viva, independente do que venha a acontecer, o teatro sempre estará em mim. Já corre nas minhas veias, dá cor ao meu sangue de artista, guerreira! NÃO por que onde quer que eu vá sempre haverá uma maneira de estar em contato com teatro, mesmo que não seja como atriz. Pode ser escrevendo, ministrando cursos, fazendo aulas, ou ainda como público.
-SIM, por que sempre haverá arte onde quer que eu vá, por que a arte habita em tudo. SIM, por que não sou uma idéia cristalizada, parada no tempo e no espaço, numa única forma. SIM por que clamo diariamente ao universo que me transporte desta forma que tenho, que sou, à uma nova forma. Maior e mais livre. Olhando por esta ótica conseguiria SIM viver sem o que até agora tem sido a base maior da minha vida. Mas sei também que quando a gente fica sem base tende a se apoiar na primeira coisa que vê!
-Quanto ao NÃO SEI, é por que não sabemos nada nesta vida, e é impossível saber algo por completo sem vivenciar na prática. NÃO SEI, por que nada sabemos do amanhã, por mais que queiramos delimitá-lo, projetá-lo, demarcá-lo. E se por acaso nosso amanhã for previsível, será chato demais. Qual a graça de viver se já soubermos o que vai acontecer?
-Agora quanto ao DEPENDE, tudo é relativo, tudo DEPENDE do como, do onde, do quando. E principalmente do que faria se não vivesse de teatro. E a resposta deste O QUE precisa ser repleta de prazer, de alegria, de vida, de emoção, de aventura e amor.
Pois bem Marco, acho que sua pergunta está respondida!
Caramba! A que reflexão você me levou hein!
O mais incrível de responder a uma pergunta é justamente quando não temos a resposta a ela.
Despeço-me com a melodia de Caetano Veloso nos ouvidos no início deste começo de primavera: “Amanhã será um lindo dia, da mais louca alegria que se possa imaginar...”
Ou não !(para parafrasear um pouco Caetano.)
AQUELE ABRAÇO!

LucY
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A imagem peguei no google:

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