Eu deletei suas fotos do meu
PC... Olhava a foto, admirava os
detalhes especiais de sua expressão me
deleitava com as sensações que a fotografia me conduzia e no auge de tais
efeitos a excluía... Ainda com a imagem deletada em mente, passava à próxima e
repetia o processo... Não o fiz apenas num ato de crueldade ou vingança, ao
contrário, apenas desapego... Para deixar a vida andar, o barco seguir; a minha
e a da personagem principal das fotografias. A ideia central: entrar no ano
novo zerada, digamos assim, livre do
apego que meu coração e meu pensamento insistem em ter por ele...
Depois da longa análise de cada
uma delas, das imagens, sentia como se eu acenasse um tchau de dentro do trem,
ou da estação. Como se jogasse um último beijo de adeus antes de partir... e
depois da humana despedida, clicava no ícone do X vermelho e deletava a imagem
de meu computador...
O mais incrível é que, tenho
ainda vivos e presentes comigo cada um dos detalhes que amava naquelas
fotografias:
-os olhos... Ora
vivos, em outras safados... às vezes caídos, como de cachorro sem dono...Em
outras brilhantes...
-a curva de
sua orelha...isto é impressionante, mas eu me lembro nitidamente da curva de sua
orelha, numa daquelas fotos e...
- também o
detalhe do cabelo e da ausência deste...
- a dobra do
casaco, levemente entre aberto e o estilo despojado de vestir...
- a gola da
camisa pólo a contornar seu pescoço e ...
-nas fotos de
suas mãos...sim, parece estranho, mas eu tinha uma série de fotos de suas
mãos...fotos que ele nem mesmo conhecia a existência e infinitos recortes
destas com os mais diferentes tratamentos... Em cores diversas e distorcidas,
magníficos experimentos do photo shop e,
depois da galeria experimental das fotos
de suas mãos feitas serem deletadas,
passei as fotos
em que ele sorria...ah e que sorriso!!! Não posso negar, as fotos em que ele
sorria foram dificílimas de serem apagadas... poucas pessoas sabem sorrir
verdadeiramente...ele sabe...sorri com alma... e devo dizer que eu
consegui...inclusive deletar uma em que uma bandeira tremulava atrás e ele num
frio descomunal, fazia uma cara de doce
satisfação, num daqueles sorrisos onde
demonstra-se a serenidade perene do momento sem mostrar os dentes... Aliás, eu
estava olhando esta foto quando ele me chamou no bate papo para conversar...
Desconversei e demorei para responder! Como se tivesse sido pega de surpresa.Tentava
esconder o fato, dissimular o ato! Como uma criança que junta apressada os
brinquedos. Como se ele tivesse a capacidade de com seus olhos doces, me vigiar
a distância.
Rapidamente selecionei
outras tantas fotos suas e enviei numa única remessa para lixeira, claro que
dando aquela breve olhadela antes, para humanamente me despedir...
Tudo feito com uma bela trilha
sonora, ao som de uma das músicas de seu cantor predileto e que ele nem
imagina, virou um hit de minhas noites! (E que faz o céu mais azul ...essencialmente più blu!)
Por breve instante pensei que
seria melhor não lhe responder...mas ele insistiu e disse que estava sentindo a
minha energia há algum tempo...que me sentia próxima...
Aquela ponta de remorso...
Eu diante da última fotografia...
Respondi:
“É por que eu estou pensando em
ti... Detalhadamente...”
No aguardo da resposta,
aproveitei para esvaziar a lixeira do PC, para assim não correr o risco de
restaurar os arquivos...Estava decidida: eu não podia ficar apegada aquela
situação, mesmo sendo ele tão agradável, sua existência começava a me
consumir...
Na janelinha do canto da tela suas
doces palavras me fizeram deixar de lado fotos e apegos... Me entreguei ao bate
papo, às coisas que ele me dizia, perguntava, sugeria... nosso universo
particular de reciprocidades imateriais e impalpáveis... Acabei esquecendo de
apagar a última foto, a única que tenho
ainda dele guardada numa pasta em que reina solitária e sorri como se só eu
existisse no mundo...
E o que aconteceu é que não
preciso nem fechar os olhos ou suspirar quando penso em pensar nele...
Instantaneamente é como se abrisse um telão gigante diante de mim, com uma
apresentação dos slides das suas fotos, aquelas que deletei...
Foi um estratégia que usei para
me desapegar e que não deu certo! Pois desde então as fotos deletadas me
aparecem a todo instante... E mesmo, devo revelar, que mesmo estando off line das
redes sociais nos últimos dois meses, na busca de uma mudança de hábito...é
inevitável, na hora habitual em que nos falávamos, onde eu estiver abre-se uma
janela, não pequenina como a da página
da rede social, mas gigante e, pode parecer loucura, mas sinto ele me chamando
insistente... E assim tem sido também como ao longo do dia, de todos os dias,
tenho sido perseguida por suas palavras e pelas imagens deletadas e, quando
durmo, lá está ele no meu sonho...
Eis minha infrutífera busca de
libertar-me do vício de estar on line, de libertar-me do vício que eu
acreditava que ele era em minha vida... Viver off line é uma ilusão, assim como
todo o apego e todo o desapego...Toda a resistência e toda a desistência...
Estou sofrendo de alucinações
constantes com sua imagem, voz, com suas palavras, com sua presença e com a
falta de seu calor e, não nego, outro dia cheguei ao ponto máximo da derrocada
de meu pseudo-desapego: enviei um sms no meio da madrugada para seu celular
para expor a minha carência... Como alguém com ausência de alguma vitamina, de
alguma comida, droga, erva ou verdura... Liga para farmácia, para o restaurante
e faz uma encomenda... Como quem assalta a geladeira em meio a um regime... Sim,
eu sucumbi algumas vezes, acessei o bate papo e o chamei... Sua resposta com a força de um abraço me fez crer, ainda
que em minha ilusão, que não sou a única em crise de abstinência... É na crise, na ausência...na distância que
percebemos o que de fato é essencial. Onde encontra-se o ponto de equilíbrio, o
sal da vida... as cores indescritíveis das imagens que são mais do que imagens.
Ah maldita( e bendita) hora em
que tive a ideia de deletar de meu PC suas fotos!!! Nem tudo a que nos apegamos
precisa ser descartado, deletado...
Gente não é como fotografia... Mas faz-se essencial que saibamos que,
alguns raros seres jamais serão meros arquivos de imagens, documentos guardados
em pastas... Existem pessoas extremamente especiais que são como as ferramentas do sistema, não adianta
deletar... O sistema não aceita...a memória não vive sem ela...são fascinantes
como a bateria da escola de samba... impossível conceber o carnaval da vida da
gente sem o samba enredo que elas escrevem em nossas vidas... sem o delírio que
elas só por existirem causam em nós e, ainda que o arquivo seja deletado, a
escola passe, o carnaval acabe...A batucada perdura junto com o delírio
inerente a esta...muito mais que um compacto com os flashs dos melhores
momentos, das melhores imagens: vividas, imaginadas, sonhadas e até
deletadas... Sim, não existe lixeira para imagens, momentos e pessoas
indeléveis... O que sobrevive na ausência, na crise, na saudade...sem
extinguir-se, sem perder a força, a luz, o calor é o que realmente vale à
pena...
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