quinta-feira, 21 de março de 2013

O que essencialmente vale à pena



Eu deletei suas fotos do meu PC... Olhava a foto, admirava os 
detalhes especiais de sua expressão me deleitava com as sensações que a fotografia me conduzia e no auge de tais efeitos a excluía... Ainda com a imagem deletada em mente, passava à próxima e repetia o processo... Não o fiz apenas num ato de crueldade ou vingança, ao contrário, apenas desapego... Para deixar a vida andar, o barco seguir; a minha e a da personagem principal das fotografias. A ideia central: entrar no ano novo zerada, digamos assim,  livre do apego que meu coração e meu pensamento insistem em ter por ele...
Depois da longa análise de cada uma delas, das imagens, sentia como se eu acenasse um tchau de dentro do trem, ou da estação. Como se jogasse um último beijo de adeus antes de partir... e depois da humana despedida, clicava no ícone do X vermelho e deletava a imagem de meu computador...
O mais incrível é que, tenho ainda vivos e presentes comigo cada um dos detalhes que amava naquelas fotografias:
-os olhos... Ora vivos, em outras safados... às vezes caídos, como de cachorro sem dono...Em outras brilhantes...
-a curva de sua orelha...isto é impressionante, mas eu me lembro nitidamente da curva de sua orelha, numa daquelas fotos e...
- também o detalhe do cabelo e da ausência deste...
- a dobra do casaco, levemente entre aberto e o estilo despojado de vestir...
- a gola da camisa pólo a contornar seu pescoço e ...
-nas fotos de suas mãos...sim, parece estranho, mas eu tinha uma série de fotos de suas mãos...fotos que ele nem mesmo conhecia a existência e infinitos recortes destas com os mais diferentes tratamentos... Em cores diversas e distorcidas, magníficos  experimentos do photo shop e,  depois da galeria experimental das fotos de suas mãos feitas  serem deletadas,  
passei as fotos em que ele sorria...ah e que sorriso!!! Não posso negar, as fotos em que ele sorria foram dificílimas de serem apagadas... poucas pessoas sabem sorrir verdadeiramente...ele sabe...sorri com alma... e devo dizer que eu consegui...inclusive deletar uma em que uma bandeira tremulava atrás e ele num frio descomunal, fazia uma cara de  doce satisfação,  num daqueles sorrisos onde demonstra-se a serenidade perene do momento sem mostrar os dentes... Aliás, eu estava olhando esta foto quando ele me chamou no bate papo para conversar... Desconversei e demorei para responder! Como se tivesse sido pega de surpresa.Tentava esconder o fato, dissimular o ato! Como uma criança que junta apressada os brinquedos. Como se ele tivesse a capacidade de com seus olhos doces, me vigiar a distância.
Rapidamente selecionei outras tantas fotos suas e enviei numa única remessa para lixeira, claro que dando aquela breve olhadela antes, para humanamente me despedir...
Tudo feito com uma bela trilha sonora, ao som de uma das músicas de seu cantor predileto e que ele nem imagina, virou um hit de minhas noites! (E que faz o céu mais azul ...essencialmente più blu!)
Por breve instante pensei que seria melhor não lhe responder...mas ele insistiu e disse que estava sentindo a minha energia há algum tempo...que me sentia próxima...
Aquela ponta de remorso...
Eu diante da última fotografia...

Respondi:
“É por que eu estou pensando em ti... Detalhadamente...”
No aguardo da resposta, aproveitei para esvaziar a lixeira do PC, para assim não correr o risco de restaurar os arquivos...Estava decidida: eu não podia ficar apegada aquela situação, mesmo sendo ele tão agradável, sua existência começava a me consumir...  
Na janelinha do canto da tela suas doces palavras me fizeram deixar de lado fotos e apegos... Me entreguei ao bate papo, às coisas que ele me dizia, perguntava, sugeria... nosso universo particular de reciprocidades imateriais e impalpáveis... Acabei esquecendo de apagar a última foto,  a única que tenho ainda dele guardada numa pasta em que reina solitária e sorri como se só eu existisse no mundo...
E o que aconteceu é que não preciso nem fechar os olhos ou suspirar quando penso em pensar nele... Instantaneamente é como se abrisse um telão gigante diante de mim, com uma apresentação dos slides das suas fotos, aquelas que deletei... 
Foi um estratégia que usei para me desapegar e que não deu certo! Pois desde então as fotos deletadas me aparecem a todo instante... E mesmo, devo revelar, que mesmo estando off line das redes sociais nos últimos dois meses, na busca de uma mudança de hábito...é inevitável, na hora habitual em que nos falávamos, onde eu estiver abre-se uma janela,  não pequenina como a da página da rede social, mas gigante e, pode parecer loucura, mas sinto ele me chamando insistente... E assim tem sido também como ao longo do dia, de todos os dias, tenho sido perseguida por suas palavras e pelas imagens deletadas e, quando durmo, lá está ele no meu sonho...
Eis minha infrutífera busca de libertar-me do vício de estar on line, de libertar-me do vício que eu acreditava que ele era em minha vida... Viver off line é uma ilusão, assim como todo o apego e todo o desapego...Toda a resistência e toda a desistência...
Estou sofrendo de alucinações constantes com sua imagem, voz, com suas palavras, com sua presença e com a falta de seu calor e, não nego, outro dia cheguei ao ponto máximo da derrocada de meu pseudo-desapego: enviei um sms no meio da madrugada para seu celular para expor a minha carência... Como alguém com ausência de alguma vitamina, de alguma comida, droga, erva ou verdura... Liga para farmácia, para o restaurante e faz uma encomenda... Como quem assalta a geladeira em meio a um regime... Sim, eu sucumbi algumas vezes, acessei o bate papo e o chamei... Sua resposta  com a força de um abraço me fez crer, ainda que em minha ilusão, que não sou a única em crise de abstinência...  É na crise, na ausência...na distância que percebemos o que de fato é essencial. Onde encontra-se o ponto de equilíbrio, o sal da vida... as cores indescritíveis das imagens que são mais do que imagens.
Ah maldita( e bendita) hora em que tive a ideia de deletar de meu PC suas fotos!!! Nem tudo a que nos apegamos precisa ser descartado, deletado...   Gente não é como fotografia... Mas faz-se essencial que saibamos que, alguns raros seres jamais serão meros arquivos de imagens, documentos guardados em pastas... Existem pessoas extremamente especiais que são  como as ferramentas do sistema, não adianta deletar... O sistema não aceita...a memória não vive sem ela...são fascinantes como a bateria da escola de samba... impossível conceber o carnaval da vida da gente sem o samba enredo que elas escrevem em nossas vidas... sem o delírio que elas só por existirem causam em nós e, ainda que o arquivo seja deletado, a escola passe, o carnaval acabe...A batucada perdura junto com o delírio inerente a esta...muito mais que um compacto com os flashs dos melhores momentos, das melhores imagens: vividas, imaginadas, sonhadas e até deletadas... Sim, não existe lixeira para imagens, momentos e pessoas indeléveis... O que sobrevive na ausência, na crise, na saudade...sem extinguir-se, sem perder a força, a luz, o calor é o que realmente vale à pena...