Tenho pensado no filme perfeito e
mais ainda na personagem perfeita. Embora não acredite desde muito na
perfeição, como já escrevi outras vezes, acho que ela não é estática, se move o
tempo todo e sempre teremos que andar em sua direção, mas nunca a alcançaremos.
Mas no domingo passado achei que seria capaz de encontrá-lo. Preparei uma bacia
de pipocas e um café e me pus diante do computador numa busca por filmes on
line para assistir.... indecisamente e insatisfeitamente nenhum filme era o que eu buscava...nada parecia preencher minhas expectativas. É bem verdade que tenho ido pouco ao cinema, desde que saí
de minha terra natal isto há mais ou menos 15 anos. Eu ia muito ao cinema, pois
não pagava, era amiga de um amigo que era amigo de um dos responsáveis do
cinema. Então assistia a todos os filmes, de graça. Mas depois que tive que
pagar por meus ingressos para ir ao cinema eu devo confessar que fui bem pouco.
Não porque não goste, não porque não me interesse, mas tornou-se um pouco
inviável economicamente ir ao cinema, já que de lá para cá o cinema também
tornou -se bem mais caro ( e eu fui mal acostumada, nunca soube o que era pagar para ir ao cinema) e meus ingressos de teatro
seguem no mesmo valor. Eu não escolhia o filme que iria assistir, assistia
simplesmente a todos, sem exceção. E nunca, nunca mesmo, tive vídeo cassete em casa. Passei das
telas de cinema direto para os filmes on line. Então também não fui habituada a
ser daquelas pessoas que lêem a sinopse do filme e a crítica e vão atrás de
assisti-lo. Falha minha, eu sei, uma atriz
deveria ir ao cinema, deveria saber o nome dos principais diretores,
comparar seus filmes para entender o progresso de suas trajetórias
cinematografias. Reconhecer trilhas sonoras e palestrar sobre este ou aquele
cineasta e suas características mais marcantes. Mas existem tantos atores, que
nunca leram a obra completa de Shakespeare ou de Nelson Rodrigues. Que não sabem
a diferença de Laban para Meyerhold e que entendem erroneamente o método da
memória das emoções de Stanislavsky. Quem
é leigo no assunto vai pensar que estou falando algum dialeto intergaláctico ao
citar tais nomes. Pois bem, eu li a obra inteira do Shakespeare, e do Nelson
Rodrigues, e quase toda do Brecht. E dos livros do Machado de Assis só me falta
ler um de contos, que deixei para fazê-lo quando for mais velha para ter o prazer de me reencontrar com um dos meus
escritores prediletos em minha maturidade.
E sendo este o quadro, como
buscar um filme para ver? Um premiado? Um clássico? O que ver? Algo que me faça
transbordar. Que não seja apenas mais um enlatado de sabor artificial. Tantos
filmes ali, na tela de meu computador acenando. Dos brasileiros aos europeus,
dos indianos aos americanos. Com legenda ou dublado. Filmes novos e antigos. Comédia romântica ou
terror. Tudo ao alcance das mãos. Tão próximo quanto às pipocas que aos
punhados colocava na boca enquanto fazia minha busca interminável.
Olho para bacia ( tão grande que daria perfeitamente para dar banho num
bebê) restam apenas umas poucas pipocas... e não demora muito para que
fique vazia... limpo o fundo dela com as pontas dos dedos.
Desisto de procurar o filme perfeito!
Ele( o filme perfeito) se quiser, que venha até mim! Afinal , não vou
negar , sou uma pessoa atípica, mas uma personagem bastante
interessante. De consolo restam agora os lábios ressecados do sal... Olho para o relógio- o real e o
biológico- vejo que o domingo está acabando, e eu nunca mais viverei um
domingo com a idade que tenho hoje!
Olho para tela,
para o relógio, para a bacia, para o passado. Saudade de quando ia ao cinema
nos sábados correndo pela rua com meus irmãos e fazíamos uma via crucis pelos
diversos cinemas da cidade para escolher qual filme veríamos. Não era difícil
escolher um filme nesta época, e embora minha opinião não contasse muito,
pesava, pois eu era a caçula, e às vezes
tinha sim minha vontade acatada pelos meus cinco irmãos. Mas na verdade sempre
entravamos num consenso pois se houvesse reclamação minha mãe simplesmente
suspendia a ida ao cinema e pronto, ficávamos em casa fazendo faxina. Logo
ninguém atrevia -se a desafiar a vontade da caçula, como também eu quando
percebia que a opção que não era a minha, abria mão de minha vontade para garantir
a ida ao cinema na próxima semana.
Tínhamos um pacto. E sendo assim
eu assisti muitos filmes de adolescentes,
quando era ainda bem criança, e alguns de meus irmãos já na adolescência
eram obrigados a assistir filmes infantis. Só que eu não lia as sinopses,
embora sempre tenha sido boa de leitura, eu só olhava o cartaz e a sonoridade
do título. Mas era a imagem do cartaz que me fazia querer ver um filme ou
outro. Depois de assistir o filme é que comíamos pipoca, pois o dinheiro não dava para
uma pipoca para cada um então dividíamos um punhadinho um pequeno pacotinho em
seis com a promessa de que ao chegar em casa faríamos paneladas de pipoca. Voltávamos
pela rua apitando campainhas e correndo! Eu era a menor de todos e corria um
pouco mais devagar que eles, então já
tínhamos o plano de só começar a apitar as campainhas quando eu já estivesse no
meio da quadra para dar tempo de correr e dobrar a esquina e não ser
surpreendido por alguma dona de casa braba. Passei outro dia pela frente destes
cinemas que eu ia, já não existem mais. Um deles depois de ser danceteria,
churrascaria, igreja está em
ruínas. O outro é loja de eletrodomésticos. Um virou
estacionamento e aquele que eu sempre assistia cinema de graça...é uma igreja.
A danceteria de minha adolescência é algo obsoleto, uma ruína degradante. E o teatro em que mais trabalhei na vida,
está lá fechado mofando e de portas desbotadas. As vésperas de mais um aniversário só posso
crer que isto é um sinal dos tempos, aviso de que o tempo passa e não pára! As
coisas se consumem, como as pipocas que acabo de ingerir.
Desisto de procurar o filme
perfeito, e penso que ele( o filme perfeito) se quiser que venha até mim,
afinal sou uma pessoa atípica, uma
personagem sem igual, sensacional. E não farei como as seis personagens
de Pirandello na busca de um autor. O filme perfeito se quiser que venha até
mim. E virá, eu sei! Tenho certeza!
Lambo os lábios, estão ressecados
do sal, o domingo chega ao fim, mas não posso reclamar...mesmo sem o filme
perfeito não foi um daqueles domingos " sem sal " ...
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