sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Telepáticos




"As vezes as palavras são desnecessárias."


Ele viu que eu não estava conseguindo dizer nada, e certamente, percebeu o quanto eu estava tensa com aquele momento. No eco que suas palavras faziam em mim ...passei a olhar em volta ...
Percebi a paisagem...e pensei: 

"Nossa realmente, esta paisagem..."

Foi quando ele interrompeu meu pensamento: 

"...linda, não é mesmo?"

"Sim!"- respondi estupefacta.

Ele tinha lido os meus pensamentos... 
Não... bobagem... 
Era óbvio que aquela paisagem era linda, e que eu de olhos brilhantes entregara a ele o que ia em meu íntimo... Olhei fundo nos seus olhos...e voei...fui longe... quando estava perdida no vôo que aquele olhar havia me conduzido... Ouço a voz dele no meu ouvido:

"Vôe,mas não vá muito longe, que eu estou aqui!"

Ele lia os meus pensamentos? 
Era isto...???

Pensei: "- É assim? Pois então vou ler os pensamentos dele também!"

"-E...?"- falou ele.

"E...O que?" disse eu.

"Já conseguiu?"

"O que...?" 

E aquele sorriso com cara de sorriso ...puro, simples, verdadeiro! 

"Ora...saber o que eu estou pensando..."

Então ele revelara, ali ...assim que tinha poderes de entrar sem pedir licença nos meus pensamentos... 

"Não ...agora, não!" - disse naturalmente.

"Não?" - surpreendeu-se ele...

era mentira, eu sabia exatamente o que ele pensava, mas decidi confundi-lo...

"Não!"

"Mas eu pensei..."- disse ele atônito

"Pensou errado..." falei eu enfática...

Percebi uma ruga de preocupação repentina entre suas sobrancelhas... 

"Não acredito!" -Falou seco.

Ele era terrível... sabia que eu estava blefando. 
Fazia calor...e eu estava louca de sede e fome... 
Ele me convidou para ir até a sorveteria.
Como dois  adolescentes.
E incrivelmente leu  a minha humana vontade.
Quando atravessávamos a rua, ele ficou para trás... sem ver,eu sabia...
e mais, sabia em cada lugar que ele direcionava o olhar...
sem me virar.

Ao iniciar a saborear o sorvete ele veio com este papo de novo...se agora eu sabia 
o que ele estava pensando... Não nego que tive vontade de rir ...e até de me irritar... 
E ele percebeu...  Eu decidi então falar: 

"Olha eu não sei o que você estava pensando, mas sei exatamente para cada lugar que direcionou o seu olhar... desde o momento que nos encontramos hoje...!"

Eu achei que ele não ia gostar do que eu falei... mas ele sorriu e ainda completou ...

"- Ah é! E para onde eu estava olhando ? "

Ele queria saber e eu resolvi dizer. Comecei a falar, descrevendo cada direção de seu olhar como que escreve a rota de um barco através de suas coordenadas... Foi quando eu percebi que estava exagerando... Tinha falado um bando de besteiras... Mas ele sorriu... Sim, eu conseguia...e agora mais, ainda sabia...que ele  sabia que eu estava com vontade de beijá-lo...mas não tinha coragem... 

"- O que foi ? " disse docemente ele.

Eu ri: 

"Eu pensei que você estivesse lendo os meus pensamentos..."

Ele também riu: 

"Difícil admitir? Difícil acreditar? 
É no mínimo estranho não acha? "

Como que eu não ia achar estranho, eu diante de alguém que lia tudo o que eu pensava e cada gesto meu, como se farejasse minha alma, e soubesse a cor da luz de cada célula minha... Tive vontade de chorar...chorar de emoção, de medo, de alegria ...sei lá...  Olhei para os olhos dele, e lembrei que eu não tinha feito as unhas, não sei porque...foi quando ele pediu para ver as minhas mãos, e segurou-as firmemente... 

"- E agora? Já sabe o que eu estou pensando?"- falou.

"- Certamente a mesma coisa que eu! " - apenas pensei, enquanto ele me beijava. 

Eu tinha que ir... ele interrompeu o beijo... e falou: 

"- Está na sua hora já? " 

Olhei o relógio...e conclui que, realmente, eu tinha que ir... 

"- Que pena!" pensei enquanto ele falava as mesmas palavras que iam no meu pensamento.

Tive vontade de que ele me sequestrasse... fomos até a esquina e tínhamos que nos separar...depois daquele
papo de pensamentos que dialogavam tão bem. Mais um beijo e ele me revela: 

" - Posso?" 

" - O que...?" - perguntei 

"- Te sequestrar? " falou com uma cara irresistível...que, não nego, quase sucumbi...

"- Eu adoraria...Mas..." eu realmente não podia.

Nos despedimos, num longo beijo, sem  a certeza de que nos veríamos de novo, pelo menos nos próximos dias. Dei três passos e sabia exatamente onde e como ele estava olhando e imediatamente escrevi para ele um SMS: 

"- Sei exatamente onde e como você está me olhando! " 
  
 A resposta quase instantânea: 

"- Você é incrível! Eu fiz de propósito, para ver se você perceberia! E vi que sabia também exatamente o que eu estava pensando!?" 

Sim ...ele tinha razão...eu sabia! E ele sabia, o que queríamos e o que pensávamos... 
Mas não dissemos nunca um para o outro...
só ficamos pensando... 
ali naquele dia e em outros... 

E até hoje ainda não dissemos um para o outro o que realmente sentimos, 
apenas pensamos...
mas eu tenho certeza que ele segue lendo meus pensamentos...
do mesmo jeito que eu leio os dele.


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segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Uma parte: reflexo do todo





“Eu amo a tua bunda!”




 Estas foram as palavras que ele me disse em meio a um momento especial... Não vou dizer que não gostei, mas lá estava ela, roubando a cena de novo! E para mim aquilo ainda que parecesse um grande elogio não me fazia extremamente feliz... Eu queria que ele dissesse que amava a mim, sim, eu queria ouvir: 

“Eu te amo! Você é linda! E eu adoro tudo seu! Sua bunda é linda!” 

Mas não foi assim... Contudo, eu não podia nem devia lamentar ou reclamar do fato. 
A maioria das mulheres luta com a balança, com o peso, com a celulite, e eu tinha ali o homem sensacional a declarar-se humanamente a minha bunda!

 O fato memorável passou! Mas não foi esquecido de um todo, até porque é fato sabido que, em nossa sociedade, o corpo sempre faz mais sucesso que a alma... Dias depois ele ainda declarou uma segunda vez seu amor por ela...

E eu? 
Poxa... Eu fiquei mega chateada e ciumenta...Com a maior inveja do efeito que ela fazia nele ... Consolei-me no fato de que já havia ouvido falar que o corpo físico, a beleza, nada mais é que um reflexo evidente da luz do ser. Que refletimos externamente apenas aquilo que somos em essência. E se ela, parte de mim, é bela, eu também sou...
Os dias seguiram, mas sempre chega o dia em que somos tomados pelo ego. E foi justamente neste dia, que meu ego carente, desejando ser afagado deparou-se com um novo elogio do bonitão. Quando ele tocou no assunto, falou da lindeza e admiração que tinha pela tal, eu me indignei! Imaturamente disse que achava que o ser dele não combinava a estes apegos físicos materiais do corpo. 
E por pouco não lhe disse a célebre frase:

"Homem que escolhe suas relações pela bunda, não pode reclamar de ter um relacionamento de merda!”

Sinceramente que merda que eu fiz!

Sabia que este negócio de bunda só podia dar nisto. Embora na minha profissão merda e boa sorte sejam sinônimos. 

Pela primeira vez entrei em choque com ele!
 E iniciei um confronto idiota...
   que para mim era necessário!

Falei que aquilo não combinava com a filosofia de vida que ele levava,  que não fazia parte de uma pessoa tão elevada espiritualmente! E blá blá blá... 

Faltando menos de um mês para a tal data em que haviam anunciado o fim do mundo, eu na companhia do cara com  queria estar, ele me querendo e eu bancando a difícil... querendo filosofar!
Ainda  disse que eu era mesmo difícil, de gênio complicado...

(Isto jamais deve se revelar a um homem que esta em meio a uma explosão de afeto, seja este afeto espiritual ou carnal...  Ainda que ele seja a mais especial e sensacional das criaturas, jamais devemos revelar as fraquezas. Faz-se crucial, sempre pensar no tendão de Aquiles de nossas fraquezas, e nunca deixá-las vulneráveis.) 

Pela primeira vez senti uma ponta de irritação nele, não irritação com ódio... Mas percebi , depois, que estava chateado com o fato.

No desenho que eu havia criado para mim do homem perfeito que habitava nele, achei que ele não podia sempre estar com este papo de bunda. Que ele não podia gostar só de uma parte... Na verdade eu queria fazer ele entender que ele podia ter o todo, não precisava se contentar apenas com um pedaço, ainda que o pedaço em questão, fosse extremamente atraente e perfeito.

Para me desarmar ele me larga sua defesa: 

‘cada parte de nós é infinita, e uma reprodução do todo!’

Eu ao invés de serenar, tomei aquilo como uma cantada barata e irritada lhe respondi:

“Então minha bunda é a reprodução daquilo que eu sou! É isto que você quer dizer?”

Ele respirou fundo...

Percebi sua mirada, forte e intensa como nunca. 
E na mesma hora pude perceber que eu havia agido no ímpeto...Soltado palavras inúteis ao ar, dando energia a negatividade e não enxergando o poético que havia no fato de sua devoção e  amor pelas curvas de meu corpo!

“Sabes bem o que penso. Não pensa só na tua bunda! Eu não quero a 'tua bunda'.O que eu queria era fazer amor contigo...”

Pronto, com aquelas palavras ele me desmontou... 
E o mais sensacional é que disse numa maneira tão incisiva e doce ao mesmo tempo... 
E mais ainda, depois de fazermos amor ele passou a mão nos meus cabelos, me deu um beijo e disse que eu era o seu anjo...

Estava tudo muito perfeito e eu precisava  complicar...

“Eu não quero ser o teu anjo!”

Na verdade eu queria ser bem mais que um anjo...
O paciente homem me olhou com doçura...
Eu perdi o momento de ficar ali no maior Love...
pois queria que ele dissesse as coisas da forma que havia criado em minhas expectativas...
Antes de nos despedirmos,  nos abraçamos centenas de vezes e nos beijamos... 
beijos grandes e longos, daqueles que fazem o chão desaparecer... Não nego que foi extremamente difícil para nós separar- mo- nos naquele dia. 
Antes de ir embora ele me perguntou se eu não tinha nada para lhe dizer. E eu ao invés de dizer que lhe amava, ou adorava sem igual, de gritar que  lhe amava tanto quanto ele amava minha bunda.  Disse apenas que não queria ser o seu anjo.

Dias depois eu meditava em minha quietude sobre os motivos dele ter silenciado e de aparecer com uma garota que não era tão linda
 ( não tinha a minha bunda) 
e nem era tão inteligente, politizada e  espiritualizada como eu. 
Percebi que a culpa era minha, sim, eu havia sido uma idiota...

Se, segundo ele uma parte representa o todo.
E ele havia dito que amava minha bunda!
Ele amava uma parte...
E ao amar uma parte, esta representava o todo.

Logo, ao amar minha bunda, ele me amava...

... só que eu tão cega, nem percebi sua mensagem...

Agora percebo que posso ter deixado passar, o momento...
Apenas por uma falta de pensamento lógico.
Por não me entregar verdadeiramente ao momento que ele me propunha...

Humanamente não paro de pensar, no meu lado anjo
e suas palavras não saem da minha cabeça:

 “Eu amo a tua bunda!”
 “Eu amo a tua bunda!”
 “Eu amo a tua bunda!”
 “Eu amo a tua bunda!”
 “Eu amo a tua bunda!”
 “Eu amo a tua bunda!”
 “Eu amo a tua bunda!”

                                  

                               Que merda!



segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Status: me chama, me ama!


Não é do status quo que estou falando e acho que quem me lê, se aderiu de fato a sociedade tecnológica do mundo atual, saberá bem a que status me refiro! Ao status da rede social...que embora não seja o status quo refere-se a posição que nos colocamos em relação a vontade de falar com aqueles que fazem parte da rede social que estamos inseridos. Falo do status do bate-papo! 
Tenho conversado com diversas pessoas sobre isto e cheguei a conclusão de que somos a sociedade da dissimulação de sentimentos... e a rede social pode ser também vista, segundo meu ponto de vista, como um grande espelho de nós mesmos, muitas vezes melhorado... mas que também permite que falemos abertamente de coisas que cara a cara diante de uma multidão não teríamos coragem de falar.
 O Homo sapiens é o animal da dissimulação, eu perfeitamente mudaria seu nome para Homo  sentimentus dissimulatus. Não dizemos o que queremos... estamos sempre falando através de símbolos e quando somos surpreendidos pelo que queremos recuamos. O sim pode ser talvez, o talvez: quero loucamente...o não: claro que sim...sim, sim, sim...
Nosso status é Co e não quo...Co de covarde! Nos acovardamos diante de nossas reais vontades pelo temor de ser ridículo, pois é mais fácil satisfazer e aceitar o impossível que a sociedade do status quo prega. E não pensem que eu me eximo disto, ao contrário...sou uma dissimulada de primeira no que diz respeito aos sentimentos mais nobres, até porque me conheço e sei bem que quando abro a torneira da sinceridade e dos reais sentimentos não paro mais...que chego a beirar a infantilidade, a pieguice até alcançar a breguice! 
Temos a opção de falar abertamente e temos em nossa sociedade cada vez mais meios para isto e o que fazemos? Ficamos esperando que os outros façam por nós aquilo que queremos fazer por eles...e o outro certamente está esperando a mesma coisa...e assim estar on line e off line não fazem diferença alguma, são dois lados de uma mesma moeda que nem sempre temos coragem de lançar ao ar para definir o rumo a seguir. 
Eu acho que ajudaria muito se além dos status On e Off, ou daqueles em que há a opção de ocupado e ausente, tivéssemos também a opção de uma outra cor, talvez laranja ou magenta para dizer: 

eu estou on line só para você...

meu status é:

 todo seu ... 
 ou
 -sou toda sua!
 -só você pode me ver
(e eu quero loucamente falar com você)
-sou um(a) covarde( fale-me você se não o for)
-me chame que não tenho coragem de chamar
- me chama, me ama...

ou ao contrário:
- não adianta ficar curtindo meus posts pois eu não quero falar nunca mais com você
- você abusou
-não adianta chamar eu não quero falar

e ainda

fale-me agora 
ou delete-se de meu bate-papo 
                                   para sempre... 


ainda assim não estaríamos a salvos de nossa constante covardia... mas poderíamos comunicar um pouco do que vai em nós mesmos apenas por um ponto colorido no canto da tela... e é  esta a questão, o ponto em que habita o status de nossas relações em tempos tecnológicos! 

( saudades de escrever cartas! saudades de receber telefonemas...)

Status: estou off line mas ainda assim lhe envio...Aquele abraço!!! 

terça-feira, 28 de agosto de 2012

Apegos & Desapegos


Que o ser humano se apega fácil não é novidade! Falo aqui do ser humano humano! E eu tantas vezes definida como desprendida desapegada não fugiria a humana regra! Está certo que há muito me libertei de tantas coisas e que já me desfiz inúmeras vezes de todos os móveis de casa para tomar outro rumo! Que vivo dando roupas, calçados, livros...apenas para estar mais leve...apenas para  exercitar o desapego. Que dou até coisas que gosto, pois sempre penso que não há grandes virtudes em desfazer-se apenas do que já não nos serve e daquilo que não mais queremos. O desapego verdadeiro reside em abdicar, largar, doar, deixar partir aquilo que é bom, que ainda serve e que gostamos! Aí reside a tal liberdade! O  fato é óbvio e  é  claro que sempre nos apegamos a algo e alguém, ainda que o objetivo de vida, mais por necessidade do que por vontade, esteja calcado no desapego.
Este tem sido meu exercício, viajar mais leve embora ainda carregue duas bolsas, a de mão e a mala.
Deixei de lado pseudo amizades sem dar ar da graça e pseudos amores inúteis apenas com o intuito do desapego, da liberdade da leveza. Mas percebi que existem pequenas coisas que aos olhos dos meros mortais não tem valor algum e que me apego! Como a foto de meu pai na carteira, a imagem do São Jorge, o livrinho de meditações, os amuletos e as crenças. O nhoque do dia 29. Os papeizinhos e as palavras. As manias, a cultura arraigada. O Samba apegado aos quadris brasileiros que surge quando menos espero num clássico rebolado! A mania de não passar por debaixo de escadas e de sempre sair pela mesma porta que entrei quando vou a um lugar pela primeira vez. São crendices idiotas eu sei, mas que me apeguei nem sei como e não concebo me libertar.O baralho cigano e a pequena imagem de bruxa que carrego sempre comigo e que mesmo em meio a um assalto a mão armada pedi aos ladrões para retirar da bolsa junto com o cristal de quartzo rosa que carreguei durante quase 16 anos comigo...
 A coleção de brincos artesanais que ao longo de anos juntei adquirindo um em cada cidade que passava.
Dei um par de brincos que amava outro dia, a amiga que dividi o quarto. Ela não queria aceitar, mas eu dei a ela justamente por que eram especiais para mim e ela era e é especial na minha vida! Desapeguei dos brincos e me apeguei a ela. Assim como fiz com a bolsa que ganhei no primeiro festival de cinema que participei dei com o maior prazer a amiga que ganhei da vida e que é  mais que um festival.
Mas não acreditei outro dia quando botei a mão na bolsa para procurar meu cristal de quartzo rosa... por hábito de segura-lo forte em uma das mãos todas as manhãs e de tê-lo sempre na cabeceira de minha cama, ou junto as minhas coisas nos muito camarins pela qual passei! O tal do cristal eu comprei numa fase em que decidi mudar, numa fase em que estava apaixonada, não sei se platonicamente ou insanamente, se por alguém ou pela vida. O fato é que sempre tive ele por perto! Ao ponto de um amigo meu dizer que eu era louca de carregar pedra bolsa. Estar em casa era estar com o tal cristal.  E não foram poucos os mares e luares em que o banhei! No ano novo sempre tinha ele comigo e ao dividir meus mais secretos e singelos desejos, conversar ou intimar Deus para agradecimentos ou cobranças...lá estava o cristal!
Poucos foram aqueles que eu deixei ter entre as mãos o tal cristal...na verdade só autorizava as crianças a segurá-lo e apenas por um curto espaço de tempo. Esteve comigo em meio a temores, alegrias e ansiedades. Logo nada mais natural que assim que eu voltasse de viagem metesse a mão dentro da bolsa no costumeiro lugar para colocá-lo no criado mudo! Na força do hábito a que ainda não me desapeguei de um todo...procurei o cristal, antes de filmar as cenas do último fim de semana...apenas para me energizar... o vazio da bolsa me fez gelar... ele não estava lá...bem, eu sabia! E não estava pois tive a coragem de doá-lo!
Talvez seja um ato inconsequente este de doar uma pedra que me acompanhava há tanto tempo! Há quase metade de minha vida! Mas o fiz consciente e segura...e embora tenha me desapegado dele...ainda sinto a falta que ela sente de mim...e isto é bem possível que seja o tal do apego! Tive vontade de perguntar a quem recebeu-a de presente de minhas mãos se tem cuidado bem dela, como está? Mas achei isto tão sem sentido, de um apego tão grande...mas penso que isto seja porque a energia dela ainda permanece em mim tanto como a minha permanece onde agora a pedra encontra-se. E em mim permanece a energia e a presença daquele a quem doei a pedra. Acabei me apegando, não vou negar! Me apegando as suas conversas coloridas e cheias de energia. Tanto que quando está on line e vejo que não fala comigo chego a me sentir fraca...sim é uma fraqueza este ato débil! Esta carência! Mas prefiro ainda me apegar as pessoas e a sua energia do que as coisas, como certas pessoas se apegam a um lugar, a uma máquina aos bens materiais da sociedade contemporânea, apenas a um corpo e suas curvas. Apegar-se e desapegar-se é vital...  ter o equilíbrio para tal também, embora as vezes não estejamos prontos para fazê-lo.  O ato de doar algo a que eu me apegava tanto a alguém sem dúvidas é sim uma necessidade inconsciente de me apegar a pessoa que agora detém o objeto em questão, neste caso o meu ex cristal companheiro.
E eu tão desprendida nunca imaginei que seria tão difícil assim me desapegar de uma pedra. Sim uma pedra! Eu que tenho faltado todos os velórios possíveis com a humana desculpa do desapego. Eu que ao saber que meu pai estava doente implorei de forma escrita na rede social que o desautorizava-o a partir sem antes me ver. Eu que fiz massagem no peito de meu cãozinho de estimação ressuscitando-o várias vezes na esperança de tê-lo um tempo mais aqui comigo...Eu posso saber me desapegar de móveis e de casas, de carros. E posso fingir muito bem que sou forte o suficiente para partir sem chorar... mas minutos antes do trem ou do avião partir dentro de mim secretamente o choro é sempre convulsivo...e eu rezo para perder a viagem...só para ficar mais um pouco... Meu desapego é também pseudo, ilusório e fantástico! Porque quando parto deixo uma parte de meu ser com quem fica... se não deixar dicas e conselhos...palavras...deixo minha energia...de uma forma tão assustadora que me vejo feito uma alma penada acompanhando ainda o olhar e os passos de quem fica! Vejo suas ações e sei para onde aponta seu olhar, caminho ou danço por seus pensamentos ... muitas vezes de forma invasiva e abusiva...sei para onde e como olha, bem como o que pensa e sente. E as vezes seja pela manhã ou pela noite... viajo no cosmo até onde quero estar, e me sento diante de quem quero ver... e faço mantras, orações, e canto canções para embalar os sonhos ou os dias daqueles a quem amo, daqueles a quem me apego! É possível que seja um erro...eu sei ! Pois diz não sei que sabedoria que "onde estiver seus pensamentos, lá estareis."

E agora em meu humano apego como um gênio da garrafa uma parte de mim habita dentro do cristal que parcialmente me desapeguei... e no exercício da vida já descobri que é isto que eu tenho que fazer... aprender a desapegar-me... viver o momento, curtir quem está próximo... deixando o antes e o que virá sossegados enquanto vivo o agora!

Mas não nego ...que neste apegar-se e desapegar-se tenho um mundo de gente bem próxima de mim...
longe dos olhos e próxima do coração... deixo-as lá, comodamente hospedadas...
deste desapego de coração grande eu não quero nem pretendo me libertar...

Desapegar é mudar o hábito...
é troca...
e ao final é muito melhor apegar-se a alguém que a algo...
sem cobranças...as vezes até sem esperança...
Meus desapegos são também apelos ao apego!
E apegar-se a algo ou alguém é também uma forma de desapegar-se de si, do ego...e sair das fronteiras de si mesmo! Ser um pouco o outro doar-se, emprestar-se...

Eu não nego...desapegadamente eu me apego!
E se alguém diz que se apegou a mim...que pensa e sente a minha falta, saudade...ou seja o que for eu comemoro... quem disse que para ser uma pessoa desprendida precisamos abdicar de tudo aquilo a que nos apegamos...de tudo aquilo a que buscamos nos desapegar!?


segunda-feira, 2 de julho de 2012

Promessas, Santos e assemelhados



Fazer promessas não faz meu feitio. E nunca fui muito adepta daqueles que prometem demais e fazem de menos. Nunca fui amante de quem apenas teoriza e não age na prática. Mas embora tenha certa ojeriza as promessas devo confessar que fiz algumas ao longo da vida e sempre que entro numa igreja pela primeira vez rezo e faço um pedido. E devo revelar que muitas vezes tem dado certo. Mas o tamanho da igreja nada tem haver com a eficácia e rapidez na realização das minhas ansiedades.  Sempre penso que se bem não fizer mal não há de fazer. Já prometi coisas absurdas, não vou negar...e o que me irrita é que se tenho atendido o pedido...me vejo no compromisso , e compromisso até certo ponto é uma coisa que me assusta um pouco, embora sonhe com certos compromissos. Odeio o vôo com hora marcada, viajar com a passagem de volta em dia, hora e local marcados. Este compromisso me horroriza, e não sei se pelo fato de ter desenvolvido uma certa aversão a tal, as coisas com dia e hora marcadas não acontecem. Em especial as passagens de volta. E se marcar a volta, pronto...a paranóia toma conta de mim. Tira meu sossego, me enraivece, entristece, empalidece. E eu não consigo percorrer o caminho com despreendimento sempre que sei que tenho que estar em tal, hora e em tal local...Para que? Ora ...para voltar. Em tempos remotos já escrevi sobre isto, de minha aversão ao backspace, voltar...ah... E certamente este deve ser o motivo que me sinto extremamente melancólica ao término de toda e qualquer viagem...Mas voltando as promessas e aos santos... a primeira vez que fiz isto para valer foi quando um dos meus melhores amigos foi atropelado por uma lancha quando estava mergulhando... Sim um amigo especial, jamais será atropelado por um fusquinha ou por um carro, um amigo especial sempre faz algum esporte de ação, adora aventurar-se nas alturas ou nas profundezas, tem algum hobby ou profissão diferenciada e é muito mais que um amigo...e é óbvio, é atropelado por uma lancha...e seu acidente passa em rede nacional... E como num caso destes não apelar para todos os santos, rezar em todas as línguas possíveis, todas as orações conhecidas e mais as inventadas. Mais ainda ao saber que ele estava voltando do fundo do mar antes da hora porque tinha marcado encontrar-se comigo... Fiz várias tentativas de visitá-lo, mas as visitas eram para os parentes e, amiga não é parente. No dia da visita em que informei que era a prima vinda do sul, enviada de sua mãe...cheguei cedo demais. a mulher do hospital mandou que eu voltasse mais tarde...E eu saí para pegar um ar, dar uma volta e me deparei com uma igreja... uma igreja de São Jorge guerreiro...Lembrei da máxima que a primeira vez que se entra em uma igreja se tem o direito a fazer um pedido, e pronto pedi a São Jorge  quase em lágrimas para que ele não levasse meu  amigo guerreiro! E fiz a promessa... envolvendo ele também, porque amigo que é amigo, faz promessa e inclui o amigo, afinal amizade é isto, compartilhar, alegrias, dores e promessas. Corri para o hospital para não perder a hora, e assim que entrei na CTI, um enfermeira me deu uma tesoura para cortar as unhas dele que estavam num estado deplorável... cara arrebentada, braços... cheio de cortes e curativos...E o pior, deprimido como nunca. Chorando me revelou que tudo que mais queria naquele momento era sair da CTI... Eu havia comprado um anjo para ele e lhe entreguei. Então faça o seu pedido. Terminei de cortar suas unhas, a médica entrou conversou com ele. E no mesmo instante ele foi transferido.  Passei a crer mais ainda nos anjos e em São Jorge e revelo que volta e meia pago alguma promessa extra por conta da recuperação de meu amigo. E acredito em anjos, sereias, elementais, gnomos, Papai Noel mais que em pessoas de carne e osso. Poderia dizer que foi fé, sorte, sei lá. Mas o fato que ele está bem forte até hoje. Comecei a ter cuidado com as promessas, fossem elas para santos, ou para meros mortais. Minha mãe sempre disse que "Ao rico não devas e ao pobre não prometas." Evito contar planos, prometer coisas, mas tento sempre envolver minha fé de um otimismo exagerado... Mesmo diante das mais turbulentas tempestades.  Depois do feito pela vida de meu amigo, achei que todos os santos, igrejas e orixás fariam o mesmo efeito.




Fiz um pedido para Iemanjá no ímpeto das festanças de fevereiro... Aconteceu ao contrário... E como boa brasileira, sou adepta do sincretismo religioso e  caí na burrice de jogar todas asminhas fichas, ou melhor apostar meus pedidos mais íntimos a ela.  Nossa tudo ao contrário de novo. E sendo assim, como hacker, descobri sua senha. Pedidos para ela devem ser feitos ao contrário. Quer um amor? Diga que quer ficar solteira! Quer bastante trabalho? Diga a ela que quer marasmo. Entendi que com ela funciona diferente... ela leva as coisas que pedimos com as ondas do mar em que é  rainha soberana. Mas ainda assim devo dizer que deixei ela de lado... Embora hajam estudos de que a mitológica Vênus, deusa da beleza  e ela correspondam a mesma criatura. E quem fica de mal com ela tende a ficar com um aspecto feio...acho que comigo ainda não fez efeito, tanto quanto não fizeram os pedidos.




Tenho sorte e proteção também com o santo a que meu avô é devoto...e bem, meu vô já está com 92 anos e esbanjando saúde, logo... São Franscisco de Assis tem lhe dado alguma paz para que ele seja também instrumento e portador desta. E como neta queridinha dele ( que minhas primas e manas não se zanguem com o fato) devo dizer que herdei certa credibilidade do santo em questão, não com milagres como o do Santo guerreiro, mas com luz a fazer clara minhas ideias em momentos desesperadores. Acho que ele gosta de mim, e eu percebo seus sinais que são serenos e sutis...e acho que caí na sua graça, não apenas por ser a neta querida de meu avô, mas pelo carinho aos animais. E de um tempo para cá não existe uma casa em que viva que os animais não se aproximem... Pássaros, lagartos, galinhas, bois, mariposas, jabutis... E onde eu ande sempre aparece um cachorro para bater um papo comigo. E devo dizer que a cumplicidade e simpatia com tal santo me traz paz. Quando estive em Roma, nada foi mais gratificante que me deparar com a imagem dele cheia de pequenas velinhas acessas numa pequena e simples capela próxima ao coliseu. Nem o vaticano em toda a sua grandeza, nem obras de arte suntuosas me trouxeram a paz que sua simplicidade por si só inspira.

 Agora devo dizer também que santo é como gente, por detrás de suas imagens existe um universo a ser desvendado...e bem...


...o  universo de Santo Antônio eu ainda não desvendei. Nossa relação é estranha. Quando me deparo com ele é como se encontrasse aquele credor cara de pau. O amigo sacana de cara deslavada. Das simpatias de noite de Santo Antônio,  a letra da casca da laranja, ou a dos papelzinhos embaixo do travisseiro nunca as iniciais reveladas se fizeram presentes no início dos nomes da lista vip dos abençoados seres que foram meus amores... Ele nunca acertou!!!  Ele, segundo meu ponto de vista, assemelha-se um pouco aos políticos...promete e não cumpre, faz só a metade ou envia a mercadoria com defeito...coloca na nota algo de primeira qualidade e envia a mercadoria de quinta, semelhante a 'made in Taiwan", "Made in China". A olho nu e a distância até engana... mas de perto ... ai! Santo Antônio...acho que de repente ele não era santo para este fim, mas deve ter ocorrido alguma coincidência com alguém e ele sem querer ganhou a fama. Pois para achar objetos perdidos ele nunca me deixa na mão, desde que o objeto, não seja um homem. Ele deve ser brasileiro como Deus...só pode! Ele não finaliza, é preciso muita contemporaneidade para entender sua santíssima obra aberta. Ele é um trapalhão... até coloca caras interesssantes no meu caminho...não vou negar...mas se a embalagem for muito boa, é preciso desconfiar... mais ainda quando a propaganda é grande a respeito a respeito de suas qualidades. Ou ele acha que  por minha amizade com São Francisco de Assis, deve me enviar espécies homo sapiens a serem, domados,  adestrados, leões ferozes, pavões misteriosos, galos... e também os hienas, aqueles que adoram pegar as sobras dos amigos leões e urubus,  os que se você não se cuidar te enquadram apenas como um pedaço de carne, ou o que é pior como carniça.
Os enviados de Antônio  ou tem a vida metódica e erudita demais para permitirem uma certa ginga popular em seus dias...(até permitessem sonhar, mas temem...). São aqueles tipos que enviam a declaração praticamente anexada a carta de demissão, a carta de intenção com a de desistência. Nascimento e óbito! Fazendo de possíveis frutíferas relações: nati morto. Ou me faz encontrar com aquele cara interessante que,  lamentavelmente, depois de conversar tantas coisas interessantes, sorrir lindo para mim precisa partir no dia seguinte. E o gran finale...? Esquece, ficamos apenas com o prólogo! Ou faz o gentleman me recordar que, depois do 'é possível', sou eu que tenho uma idiota passagem de volta em mãos com hora e local marcado. Ou ainda pior, transforma o príncipe num chato, lembrando-me a todo instante que eu tenho que partir, que eu tenho que comprar minha passagem, que eu devia voltar antes da hora, que eu já não devia mais estar, que o certo mesmo era eu nem ter vindo, que será um alívio eu ir embora... Por isto que quando encontro Santo Antônio pelo caminho digo como na oração: " 'Tu Antônio onde vais?' Nós temos que conversar...Você não entendeu os objetivos e a justificativa do projeto que lhe apresentei, tá de brincadeira, ou desistiu de ser santo para ser funcionário público?"



 Quanto a São João ...gosto de suas comemorações, mas o que le faz além de fazer xixi na laranjeira para deixar as laranjas docinhas, e converter pagãos em cristãos? Pula quadrilha? Come bolo de fubá... ? É tão contraditório pois sua festa é das mais pagãs que tem. E sempre me põe na dúvida, o motivo pela qual salomé quis sua cabeça! São Pedro eu nem sei o que falar e outros tantos até já esqueci... Gosto dos anjos e dos arcanjos, eles tem paciência comigo e o Arcanjo Miguel já me tirou de algumas encrencas, até mesmo enviar um conhecido no meio do nada e lugar nenhum de uma estrada deserta onde o carro estragou e eu tinha compromisso com hora marcada e não podia me atrasar. Me tirou de cada cilada que se eu tivesse um filho era bem capaz de botar o nome dele em sua homenagem, mas em agradecimento batizei alguns personagens com seu nome em gratidão a sua proteção e devoção a minha pessoa.


Minha irmã mais velha disse que nada disto está no poder dos santos e sim de meus pensamentos... me viu como Santa milagrosa, poderosa... E um cara, outro dia, em que uma criança chorava convulsivamente e, eu com duas palavras a fiz parar beijou minhas mãos como se eu fosse santa. Uma amiga disse que eu serei a Nossa Senhora do Teatro, dos andarilhos, loucos e artistas...
Não acho que tenha vocação para Santa, embora desconhecidos adorem revelar seus segredos para mim,  se um dia chegar meu dia de ser santa, embora odeie fazer promessas, "Prometo ser justa! E cumprir minhas promessas. Começando por esta!" E ainda que Santo Antônio siga aprontando das suas comigo, honrar o mandamento dos mandamentos: "Amar ao próximo como a si mesmo." Inclusive os santos de fama duvidosa.





Alguém me disse, que não se deve falar com santo quando pode-se conversar direto com o todo poderoso. E volta e meia eu intimo Ele, que, como bem sabemos, é brasileiro e tem certa tendência a funcionário público... mas com tantos pedidos e projetos idiotas é preciso compreendê-lo...Totalmente desrespeitado e com um bando de Santos corruptos em seu governo e com uma lei obsoleta como a de um dos seus mandamentos: "Não usar o nome DELE em vão."  mais desrespeitada que a lei seca nas vésperas de eleição. Tá certo, que Ele até certo ponto faz por merecer, seus filhos são um pouco reflexos dele, embora não se possa julgar o pai pelo filho... e vice versa...Eu intimo Ele as vezes e ele dá a resposta rápido, age bem sob pressão, pelo menos a minha...ou talvez seja por que na verdade estamos sempre esquecendo que  "a quem pedir lhe será dado"... ( e meu avô sempre me lembra isto ). Mas devemos lembrar que ele como bom brasileiro, deixa tudo para a última hora, adora uma gambiarra (tem certa tedência egocêntrica de cineasta), certamente toda sexta toma a sua cervejinha,  prefere a praia que os templos, adora correr riscos, certamente é adepto de esportes de aventura e pratica-os no sábado...e num aspecto é como eu, não planeja muito, senão jamais teria criado o mundo em sete dias... E tenho certeza que odeia marcar com antecedência a passagem de volta. 


quinta-feira, 31 de maio de 2012

Filme Perfeito



Tenho pensado no filme perfeito e mais ainda na personagem perfeita. Embora não acredite desde muito na perfeição, como já escrevi outras vezes, acho que ela não é estática, se move o tempo todo e sempre teremos que andar em sua direção, mas nunca a alcançaremos. Mas no domingo passado achei que seria capaz de encontrá-lo. Preparei uma bacia de pipocas e um café e me pus diante do computador numa busca por filmes on line para assistir.... indecisamente e insatisfeitamente nenhum filme era o que eu buscava...nada parecia preencher minhas expectativas. É bem verdade que tenho ido pouco ao cinema, desde que saí de minha terra natal isto há mais ou menos 15 anos. Eu ia muito ao cinema, pois não pagava, era amiga de um amigo que era amigo de um dos responsáveis do cinema. Então assistia a todos os filmes, de graça. Mas depois que tive que pagar por meus ingressos para ir ao cinema eu devo confessar que fui bem pouco. Não porque não goste, não porque não me interesse, mas tornou-se um pouco inviável economicamente ir ao cinema, já que de lá para cá o cinema também tornou -se bem mais caro ( e eu fui mal acostumada, nunca soube o que era pagar para ir ao cinema) e meus ingressos de teatro seguem no mesmo valor. Eu não escolhia o filme que iria assistir, assistia simplesmente a todos, sem exceção. E nunca, nunca mesmo, tive vídeo cassete em casa. Passei das telas de cinema direto para os filmes on line. Então também não fui habituada a ser daquelas pessoas que lêem a sinopse do filme e a crítica e vão atrás de assisti-lo. Falha minha, eu sei, uma atriz  deveria ir ao cinema, deveria saber o nome dos principais diretores, comparar seus filmes para entender o progresso de suas trajetórias cinematografias. Reconhecer trilhas sonoras e palestrar sobre este ou aquele cineasta e suas características mais marcantes. Mas existem tantos atores, que nunca leram a obra completa de Shakespeare ou de Nelson Rodrigues. Que não sabem a diferença de Laban para Meyerhold e que entendem erroneamente o método da memória das emoções de Stanislavsky.  Quem é leigo no assunto vai pensar que estou falando algum dialeto intergaláctico ao citar tais nomes. Pois bem, eu li a obra inteira do Shakespeare, e do Nelson Rodrigues, e quase toda do Brecht. E dos livros do Machado de Assis só me falta ler um de contos, que deixei para fazê-lo quando for mais velha para ter  o prazer de me reencontrar com um dos meus escritores prediletos em minha maturidade.

E sendo este o quadro, como buscar um filme para ver? Um premiado? Um clássico? O que ver? Algo que me faça transbordar. Que não seja apenas mais um enlatado de sabor artificial. Tantos filmes ali, na tela de meu computador acenando. Dos brasileiros aos europeus, dos indianos aos americanos. Com legenda ou dublado.  Filmes novos e antigos. Comédia romântica ou terror. Tudo ao alcance das mãos. Tão próximo quanto às pipocas que aos punhados colocava na boca enquanto fazia minha busca interminável.
Olho para bacia ( tão grande que daria perfeitamente para dar banho num bebê) restam apenas umas poucas pipocas... e não demora muito para que fique vazia... limpo o fundo dela com as pontas dos dedos.
 Desisto de procurar o filme perfeito! Ele( o filme perfeito) se quiser, que venha até mim! Afinal , não vou negar , sou uma pessoa atípica, mas uma personagem bastante interessante. De consolo restam agora os lábios ressecados do sal... Olho para o relógio- o real e o biológico- vejo que o domingo está acabando, e eu nunca mais viverei um domingo com a idade que tenho hoje!

Olho para tela, para o relógio, para a bacia, para o passado. Saudade de quando ia ao cinema nos sábados correndo pela rua com meus irmãos e fazíamos uma via crucis pelos diversos cinemas da cidade para escolher qual filme veríamos. Não era difícil escolher um filme nesta época, e embora minha opinião não contasse muito, pesava,  pois eu era a caçula, e às vezes tinha sim minha vontade acatada pelos meus cinco irmãos. Mas na verdade sempre entravamos num consenso pois se houvesse reclamação minha mãe simplesmente suspendia a ida ao cinema e pronto, ficávamos em casa fazendo faxina. Logo ninguém atrevia -se a desafiar a vontade da caçula, como também eu quando percebia que a opção que não era a minha, abria mão de minha vontade para garantir a ida ao cinema na próxima semana.  Tínhamos um pacto.  E sendo assim eu assisti muitos filmes de adolescentes,  quando era ainda bem criança, e alguns de meus irmãos já na adolescência eram obrigados a assistir filmes infantis. Só que eu não lia as sinopses, embora sempre tenha sido boa de leitura, eu só olhava o cartaz e a sonoridade do título. Mas era a imagem do cartaz que me fazia querer ver um filme ou outro. Depois de assistir o filme é que  comíamos pipoca, pois o dinheiro não dava para uma pipoca para cada um então dividíamos um punhadinho um pequeno pacotinho em seis com a promessa de que ao chegar em casa faríamos paneladas de pipoca. Voltávamos pela rua apitando campainhas e correndo! Eu era a menor de todos e corria um pouco mais devagar que eles,  então já tínhamos o plano de só começar a apitar as campainhas quando eu já estivesse no meio da quadra para dar tempo de correr e dobrar a esquina e não ser surpreendido por alguma dona de casa braba. Passei outro dia pela frente destes cinemas que eu ia, já não existem mais. Um deles depois de ser danceteria, churrascaria, igreja está em ruínas. O outro é loja de eletrodomésticos. Um virou estacionamento e aquele que eu sempre assistia cinema de graça...é uma igreja. A danceteria de minha adolescência é algo obsoleto, uma ruína degradante.  E o teatro em que mais trabalhei na vida, está lá fechado mofando e de portas desbotadas.  As vésperas de mais um aniversário só posso crer que isto é um sinal dos tempos, aviso de que o tempo passa e não pára! As coisas se consumem, como as pipocas que acabo de ingerir.
Desisto de procurar o filme perfeito, e penso que ele( o filme perfeito) se quiser que venha até mim, afinal sou uma pessoa atípica, uma  personagem sem igual, sensacional. E não farei como as seis personagens de Pirandello na busca de um autor. O filme perfeito se quiser que venha até mim. E virá, eu sei! Tenho certeza!
Lambo os lábios, estão ressecados do sal, o domingo chega ao fim, mas não posso reclamar...mesmo sem o filme perfeito  não foi um daqueles domingos " sem sal " ...

segunda-feira, 30 de abril de 2012

INFELIZMENTE




Falo hoje das coisas infelizes
Talvez...
Seja
Uma infelicidade minha

Falo do possivelmente
Coisas bobas e belas
Discretamente
Escondidas atrás da palavra
Infelizmente...

Falo mesmo
Desta  palavrinha ingrata,
 triste e dolorida
habitante antiga 
da velha cidade 
de nome justificativa.

 Ao mover-se os lábios para dizê-la,
O lápis para desenhá-la no papel,
 Ou os dedos em busca  dos caracteres 
que se lançam na tela
para escrevê-la
 Há sempre mais que uma história.

Por detrás de infelizmente
Mora todo um mundo de felicidade 
de vida,
 Habitam as mais humanas expectativas
Dos sonhos apaixonadamente imaginados
Dos adoráveis  desfechos esperados
E  não alcançados ...

Infelizmente é um quadro que pintamos
 que se apresenta com cores diferentes daquelas que sonhamos ...

Traços que não queríamos riscar,
Ou riscos no que singelamente criamos.

Espetáculo que não condiz com o ensaio
Cenas que  vivemos e que queríamos  viver ...
Mas vividas...parecem distorcidas!
Aniquiladas
Enviesadas!


Infelizmente...

Páginas com palavras diferentes
das que queríamos que fossem escritas ... 
Vozes que falam 
o que não esperávamos ouvir

Por detrás de infelizmente há um paraíso em potencial
desmontado por um vendaval...
ou por um verbo banal!

Infelizmente reside numa tempestade em copo d’agua...
e em singelas gotas
 que distraídas fazem 
(sem querer)
 uma inundação.

Infelizmente é o despertar de um sono para o pesadelo de nome vida...
é luz  a pino na realidade,
atenção maximizada nas coisas em seu estado cru
é foco no erro
esquecer a poesia
e ver  só a olho nu.


É enxergar o mundo e as coisas do jeito que estão
ou piores do que são
 sem permitir que a mágica luneta dos sonhos nossos
mude a visão ...

Infelizmente é aborto mudo
de grito preso na garganta
de orgasmo inalcançado
de tesão abafado

É comida insosa
Açúcar sem doçura ...

Traz todos os prazeres engessados
E deixa todas as loucas paixões cristalizadas...

Infelizmente é curva inesperada
e a  ausência de prontidão para vencê-la.


Ação congelada
gesto esquecido

Ao proferir infelizmente
 profere-se junto  o pavor
a covardia de saber que podia ser
 mas não foi.

 É paralisia nas boas esperanças construídas...
é destruição...
devastação...

 É a falta de sinceridade e de disponibilidade  para crer nos mais puros sentimentos...
Infelizmente esconde, maquia...mascara...
tudo que ainda quer ser ...
Mas não se diz...
Mas não se faz!


Não se desdiz!
Não se refaz!

Infelizmente anda sempre de mãos dadas com “não deu” 
”Me desculpe”
e
 “sinto muito”

 e como sente-se verdadeiramente quando sente-se muito
 e se quer 
e se queria
 que tudo fosse diferente
 e tivesse percorrido um outro caminho...

Infelizmente...também quer dizer
que na verdade
 queria que
ao natural
na real
 as coisas fossem diferentes...

Infelizmente é
ex futuro rebento  
de um quase caso de amor
 entre
o medo desvairado  do  orgulhoso
  com
a fantasia magnífica da  idealista

Infelizmente 
é a falta de comprometimento na essência...
é
o desejo na aparência...

infelizmente...é lamento  no coração...
'é desistência! ...

Infelizmente...




quinta-feira, 22 de março de 2012

O único erro


Ultimamente tenho pensado na vida mais do que o habitual, num exercício de lógica e correção, como uma atriz que ensaia a mesma cena repetindo a exaustão para levá-la a perfeição. Embora eu não acredite nela, na perfeição...não que eu não viva a buscá-la...mas não creio nela como um pódio ou o alto de uma torre, montanha ou escada que se possa alcançar!
A perfeição não é o fim de uma linha, segundo meu ponto de vista, é uma caminhada, onde dia após dia vão agregando-se valores, idéias, coisinhas...pequenos e sutis detalhes...
Não sou perfeita e nunca serei! E sinceramente acho que ninguém o é...e quem julga os outros pela perfeição de suas idéias, engana-se, erra! Também acho que jamais pode haver apenas um único erro, e que o erro nunca é isolado, nunca tem endereço próprio num único indivíduo...e é sempre efeito de tantas causas! Não olho para os erros como dores...mas procuro sempre pensar que o caminho da plenitude, da dita "perfeição",obrigatoriamente passa por ele!

Eu erro e tenho errado, desde sempre e seguirei errando para acertar!

Assim como me perco para poder me reencontrar!

Agora quem me diz que não erra, que acha que a culpa do erro está só nos outros e jamais em si...este sim sucumbiu ao erro ...mas ainda assim o isento de culpá-lo para compreendê-lo.
Com a compreensão os erros dissipam-se, corrigem-se, ordenam-se...e pouco a pouco caminha-se para a evolução! Mas nenhuma destas vias, seja a dos erros, a da perfeição ou a da compreensão existem numa via de mão única...todas são vias de mão dupla!
Faça sua aposta, jogue a moeda para o alto, arrisque-se a errar...
sempre haverá 50% de chances de cair cara ou coroa...
Toda moeda tem seus dois lados, e todo erro jamais é único!

Único é o amor e cada ser humano que o vive!

E quando o erro ou o amor se instauram e as coisas são mágicas,
ou ao contrário: nada são do que criamos com nossas humanas expectativas, devemos sempre pensar que é no andar da carruagem que as melancias se acomodam! E falo de acomodar aqui no sentido de acerto e não no de deixar o marasmo cotidiano instaurar-se.
Se os erros surgem e não buscamos acertá-los, estamos errando em cima do errado!
É como amputar a perna por causa da unha encravada do mindinho.
Se tratarmos os nossos erros e os dos outros assim, nunca vamos acertar, o caminho será apenas o da frustração constante...por que ela virá seja mais cedo ou mais tarde! E infinitas vezes! Se formos rígidos em impor nos outros apenas que sejam aquilo que esperamos deles estamos caindo não num 'único erro', mas mergulhando numa tempestade feita num copo d'agua...
Uma andorinha só não faz verão... e um erro só não pode conduzir a decepção!
Jamais pode ser condenável...Não é na fuga da convivência que vamos nos livrar do 'único erro', não é cortando a mão que vamos evitar que tenham ladrões no mundo, ao contrário, é vivendo, arriscando, errando, e acertando que as coisas que imaginamos vão tomando as formas que queremos...Um pintor jamais tem o resultado final de sua tela na primeira pincelada.
E se ele abandona a tela no primeiro traço, achando que errou...que estava demais...ele jamais terá a obra de arte!
Ironicamente na língua portuguesa usamos o termo "não faça arte"para designar aqueles que arriscam-se em fazer algo que para a sociedade normal não é aceita...
E assim histórias belas terminam antes de existirem, como um leitor que fica apenas com a capa, e a leitura das orelhas do livro, ou quem julga o filme pelo trailer, o espetáculo pelo prólogo, a janta pela entrada.
É por abandonar as coisas no primeiro e único erro, sem insistir o mínimo em suas possibilidades, que o mundo sucumbe a desistência, que talentos incríveis lotam repartições públicas, que artistas viram advogados, e bons advogados militares, e potenciais militares açougueiros...e por aí vai!
Eu não acredito nesta desculpa de que as coisas não seguiram no seu caminho por que um "único erro" surgiu e desviou da trajetórias os fantásticos e maravilhosos personagens por que as coisas não eram como imaginávamos!
Os erros são para serem corrigidos! Para assim virarem acertos, realizações!
As coisas que não são como imaginávamos devemos recriá-las para assim transformarem-se em mais do que podíamos supor delas!
Não acreditem jamais que possa existir um único erro que possa por fim ao amor, a uma carreira, a beleza de todo um caminho que descortina-se! Insistam no acerto! Uma criança erra muitas vezes, e cai outras tantas aprendendo a andar, a dar os passos certos que fazem sua vida caminhar ir adiante!
Aceitem o erro! É ele que conduz-nos a estrada infinita rumo a impalpável perfeição!

E se as coisas em algum momento não forem como você imaginar, permita-se aceitá-las e recriá-las, sintonize-as ao seu modo, na sua estação!
Se for inevitável desprenda-se delas como faço eu agora com estas palavras que estavam presas em minha garganta! E siga adiante!
Ainda que seja atroz, isto também é viver! Faça-o com doçura, sutileza e sobretudo sinceridade...para não sofrer e não causar sofrimento! E se amar verdadeiramente...não caia na burrice de desistir no primeiro erro...uma estrada jamais tem uma única curva... Siga adiante e verá as emoções que o caminho pode lhe proporcionar! Sem medo de errar liberte-se dos seus preconceitos, que acabam por limitá-lo, fazendo com que só se aceite aquilo cabe na sua ideia de sonho, na imagem perfeita!!! Cancele os erros como quem deleta um arquivo... e permita-se reescrevê-lo. Como quem deleta uma fotografia! Permita recapturá-la! A vida, as coisas, as pessoas são muito mais do que a imagem que você criou delas! Tenha sempre polidez para lidar com o outro, pois no universo do erro do outro também podem existir sonhos que sua vã sabedoria jamais ousou sonhar...Exercite o perdão, antes da frustração! O amor antes da discórdia! A compreensão antes da desistência!
No céu cabem infinitas estrelas, no viver infinitos erros!
E para acertar, as vezes é preciso deixar o erro passar! Mas se nada disto servir resta o consolo de que a vida não é um torneio de tiro ao alvo e ao final tudo passa... E assim o erro, a dor e a vida também vão passar! E seguiremos a errar para acertar!

Aquele abraço!!!